No último domingo, fui parar no hospital por uma dor de garganta. Foi um dia amargo. Tenho traumas com esse tipo de dor. Em 2017, uma situação parecida quase me tirou do Caminho de Compostela.
Lembro do dia em que acordei na Espanha e percebi que a dor que sentia podia ser pior do que um resfriado. Então caminhei até Carrión de Los Condes, a cidade destino da vez, enquanto a inflamação e meu medo aumentavam. O corpo já estava cansado demais para lidar com esse problema.
Carrión era uma vila pequena, de poucas ruas: uma pracinha que dava para a igreja, uma paróquia de pedras ao lado da praça, um albergue de peregrinos do outro. Tudo na cidade acontecia ao redor da praça.
Me lembro de chegar e ir direto à um hospital. Fui a um pronto-socorro que ficava perto da praça. Sem êxito. O lugar estava fechado. Voltei à praça desanimado, com dores e fome. Encontrei Maitê, amiga espanhola, que me acompanhou ao restaurante. Mal comi. Não conseguia engolir, só chorava de dor e medo. Depois, na volta ao albergue, passei por uma roda de irmãs benedictinas, que viram minha dor e me ampararam. “Você precisa ir ao médico”, disse uma delas. “Mas já fui e estava fechado”, respondi com a pouca voz que restava. “Pois diga que é uma emergência e que você é um peregrino. Eles vão te atender”.
Então Maitê foi comigo. Chegamos à porta do pronto-socorro, bati, demorou a aparecer alguém, que nos disse que estava fechado. “Mas é uma emergência. Somos peregrinos”, Maitê respondeu. E as portas se abriram, como mágica. Uma enfermeira me recebeu e me disse que o médico já estava vindo. E ele veio: um senhor baixinho, falando espanhol devagar, me ouvindo, mesmo com minha pouca voz. Olhou a garganta, fez perguntas sobre minha rotina, minha caminhada, minha alimentação... No fim, me perguntou o que eu queria fazer. Fiquei sem entender. Repetiu: “Você quer continuar o Caminho?”. Eu disse que sim. “Pois você vai e vai conseguir”, respondeu antes de ir a uma sala ao lado e voltar com um saco de remédios.
Me deu antibióticos, anti-inflamatórios e analgésicos. Escreveu todas as orientações num papel, remédio por remédio, com a hora e dosagem para cada um. “Vamos pegar pesado, mas vai funcionar”. Me pediu que em três dias eu visitasse um hospital na cidade em que estivesse hospedado, para uma reavaliação. Depois pegou minha mão e me desejou “Buen Camino!”. Não me contive e o abracei. Como foi doce a atenção do médico comigo.
Saímos do hospital, Maitê me segurava pelo braço enquanto eu chorava. Não era sobre a dor nem sobre a cura, era sobre o doce em um dia amargo. Agora tinha esperança no meu medo.
Agradeci à Maitê pela companhia, peguei um punhado de remédios e comecei a tomar assim que pude. Tomei à noite também. Tive febre pela madrugada. No outro dia, como mágica de novo, acordei com a garganta melhor. Também tinha um pacote de balas de hortelã ao lado do meu travesseiro.
Carlos, meu amigo de Madrid, me disse que o doce era para combater os dias amargos. E assim fui vencendo os longos dias de caminhada, com a doçura dos amigos. E um pacote de balas de hortelã no bolso.
No último domingo, eu não tinha as balas, mas tinha essa lembrança.
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