O que mais gostei quando viajei à Argentina, o que mais ficou marcado em mim, foi ver a paixão do povo argentino por tudo: comida, futebol, cidade, carne, luta, taxi, troco, conversa, café, vinho... O argentino é apaixonado. Essa é a sua assinatura.
Eu adoro as paixões e talvez por isso tenha ficado tão encantado com o país. Me enamorei com a comida, a música, a dança, as bebidas, os museus, as feiras de rua, a língua. Lembrando agora dessa viagem, fiquei pensando sobre as paixões, em como, muitas vezes, elas são mal vistas por nós. E eu entendo.
Quando pensamos em paixão, pensamos logo em decepção também. Lembramos de quando nos apaixonamos e sofremos. É assim que aprendemos sobre as paixões, que elas nos fazem mal, nos decepcionam: “Não vá se apaixonar, hein!”. Não aprendemos a nos jogar a elas, mas aprendemos bastante a ter medo.
No entanto, por mais que queiramos tocar a vida sem vivê-las, não preciso ser cientista nem estatístico para afirmar que é impossível viver a vida sem paixão. Nos apaixonamos o tempo todo, em graus e medos diferentes.
Me lembrei dessa viagem à Argentina fazendo uma outra viagem aqui, recluso em casa, recordando de quando me apaixonei pelos livros. Foi como as paixões acontecem, de repente, sem planejar, sem desejar a paixão e, em seguida, querendo-a muito. Foi da estante de casa que peguei um livro que me encantou. Fiquei enamorado pelo título, pelas palavras e por aquele tempo que gastei comigo. Depois, nunca mais fiquei um dia sem viver uma nova paixão: um novo livro, um novo autor/autora ou um novo gênero para entregar minhas energias.
Não aprendemos a nos relacionar com os livros com essa paixão. Aprendemos sobre respeito, idolatria e obrigação: “Você precisa ler esse livro” ou “Você precisa ler os clássicos”. Mas não é assim que a gente se apaixona: “Você precisa se apaixonar por essa pessoa”. Por que então seria diferente com os livros?
Enquanto escrevo esta crônica, me recordo de como me apaixonei pelo Rubem Alves. Foi enquanto cursava Administração de Empresas, numa aula “teoricamente” chata, de Interpretação de Texto, a única que me interessava. A professora nos trouxe a leitura do livro “O amor que acende a lua”. No fim, ficamos somente eu e ela discutindo a obra, enquanto a turma gastava o tempo com outras coisas. A aula terminou, corri até minha casa e anunciei para minha mãe que iria abandonar o curso. Eu estava apaixonado.
Depois me apaixonei pela biblioteca do meu novo curso de Comunicação, na Federal de Goiás. Gastei quatro anos visitando o lugar e me enamorando de novo e de novo. Claro, tive decepções, consertadas por novas paixões. E posso dizer com propriedade que quanto mais a gente se apaixona, mais se diverte com os fracassos e mais tira sarro das traições vividas.
O que quero dizer com tudo isso é que a boa leitura não acontece sem paixão. E que é uma pena que não aprendemos a ler assim, com nossos gostos e desejos aflorados.
Então fica aqui minha esperança de que você possa viver suas paixões sem medo. E que também viva as decepções com a certeza de que, logo mais, estará de quatro por outro livro.
É isso ou nada.
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