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Lucão

Crime perpétuo

Minha literatura está muito distante da realidade. Escrevo para ocupar com fantasias os intervalos da vida, não para descrevê-la. Escrevo para descansar o viver.

Na poesia, adoro as invenções, brincadeiras que nunca foram experimentadas com as palavras. Adoro o sobressalto que uma palavra improvável, num lugar inadequado, pode provocar. Escrevo para criar espantos em quem me lê. Milan Kundera, poeta checo, diz que escreve “pelo prazer de contradizer e pela felicidade estar só contra todos”.

Acredito que a literatura, tanto quanto toda a arte, só é arte quando nos rouba da realidade, nos arranca da mesmice da rotina e nos espanta. Arte precisa chocar, seja pra rir ou chorar.

Fantasiar a vida, dar outras cores, imagens, sons, sabores que não experimentamos ainda, esse é o papel de quem escreve, sobre a dor ou a alegria. A escrita só pode ser bela se for nova. O escritor é quem traz o frescor para a vida através das palavras.

Também acredito que o profissional da palavra precisa ser irresponsável. Não há meta a ser cumprida quando se escreve. Não há ou não pode ter desejo maior ao escritor do que a própria satisfação. O maior troféu de quem escreve é de encontrar, numa busca implacável, a palavra certa, ou a palavra mais “absurda de boa” para um verso final, para um desfecho de uma história ou para um título. Outros anseios, como agradar o leitor, vender livros ou ser reconhecido são inúteis ao trabalho do escritor. São armadilhas para quem deseja costurar as palavras com autenticidade.

Escrever é minha profissão, que exerço com divertimento. Nem sempre acerto, e isso me deixa ainda mais feliz. Escrever é um erro atrás do outro. Dito isso, para quem me lê, o que escrevo também é tão importante quanto o que deixo de escrever.

Às vezes sou cobrado por não ter escrito coisas que eu jamais escreveria. O que algumas pessoas esperam da minha escrita, normalmente, eu jamais colocaria no papel. Mas isso também faz parte da jornada do autor.

Meu primeiro romance literário, Amores ao Sol, tem um punhado de histórias que as pessoas dizem que deveriam estar no livro, mas que não estão. Eu não as escrevi. “Mais beijos, mais dramas, mais sensualidade, menos descrições, mais detalhes, mais personagens, mais sobre Luca, menos de Rodrigo, etc. etc. etc.”. Eu acho isso lindo, um livro onde as pessoas se envolvam tanto, que também queiram construir a história comigo. São operários da palavra, mestres da obra. Leitores que botam a mão na massa só trabalham em livros que, de alguma forma, lhes interessam.

Ser escritor é reconhecer que tudo que escrevo não basta. Meu leitor é mais escritor do que eu. Ele escreve e incrementa a história com a imaginação.

“Estou com raiva do Rodrigo” é uma das frases que mais ouço das pessoas que começam a ler o romance. Quase me derreto com ela. Essa pouca distinção do leitor enquanto lê, entre o que é ficção e realidade, é o ápice da escrita para o autor. Sinal que o leitor está envolvido e comprometido com a história. É um prêmio.

Não escrevo para acertar. Escrevo para cometer os erros absurdos que não posso cometer em vida. Escrever é um crime que vale a pena.

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