Caro leitor, eu devo desculpas a você e também ao jornal. Há 15 dias eu deveria ter enviado minha crônica para esta coluna, mas não consegui por conta de contratempos que eu não imaginaria viver. Então eu preciso me desculpar por tudo:
Por ter decidido fazer o Caminho de Santiago de Compostela sozinho. Pelo medo que tive no meu primeiro dia de caminhada. E também por ter tido coragem de começar.
Por ter tido companheiros pacientes nas minhas primeiras horas de caminho, que me ensinaram a encontrar as setas que indicavam a direção que eu deveria seguir.
Pelos primeiros passos vagarosos pela estrada, pelo meu espanto com tudo, com a beleza, com as pessoas de todo o canto do mundo. Pela dureza do primeiro dia, pela recompensa de chegar no meu primeiro destino.
Pela amizade de Joaquin, meu primeiro amigo do caminho. Pelas dores do segundo dia, que me impossibilitaram de seguir ao lado dele. Por reencontrá-lo ao final do dia, em um albergue que não combinamos… pela surpresa e alegria que nos abraçamos.
Por ter seguido quando o corpo parecia não poder. Por ter podido conhecer o Lucas espanhol, no dia que eu cogitei não caminhar. Por ter ouvido tantas coisas bonitas sobre a vida, de um senhor de mais ou menos 70 anos. E por ele ter deixado nosso caminho tão mais jovem. Pela paciência desse dois amigos, que gastaram boa parte dos dias me ensinando coisas que eu só aprenderia com alguns anos a mais de caminhada. Pela paciência que tiveram com meu portunhol. Pelas refeições que dividimos. Pelas conversas. Pelos silêncios que fizemos. Pelo respeito.
Por ter conhecido Cata, a colombiana que encontramos ao final de outro dia duro de caminhada. Por ter se juntado a nós com tanto afeto. Pelas cidades que conhecemos, pelas igrejas, castelos e casas milenares que fotografamos. Pelas experiências espirituais que vivi, mesmo sem religião. Pelos vinhos que brindamos e experimentamos juntos, comemorando sempre mais um dia de caminho.
Pelo amparo que recebi quando estive mal, pelas dores físicas e mentais. Pela saudade, pelo choro. Pelos conselhos, pela calma, pela paz. Pelos albergues que conhecemos, as pessoas que nos receberam e nos trataram tão bem. Pelo carinho gratuito. As músicas, as danças que nos arriscamos a aprender. Pela meditação.
Por Ramon que se juntou a nós e deixou nosso grupo ainda mais heterogêneo e familiar. Pelas conversas filosóficas intermináveis. Pelas despedidas, os momentos mais difíceis que tive que enfrentar. Por não querer me despedir. Pela falta do que dizer. Por ter chorado mais.
Por Jacinto, por Omar, e o cuidados que recebi destes dois novos amigos. Por ter aprendido um pouco mais sobre compartilhar e desapegar. Por ter me apegado tanto às pessoas que estiveram comigo.
E, principalmente, desculpa pelo celular que caiu e se quebrou no meio do caminho, quando eu precisava escrever a crônica para esse jornal e não pude. Pela cidade que não tinha computador, nem telefone fixo, nem internet. Que só tinha um caminho, alguns amigos e a minha vontade que a vida fosse sempre assim.
Desculpa por tudo.
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