Estou no carro do pai. Ele me leva para a minha primeira aula de futebol depois de eu muito pedir. Chegamos, descemos do carro, alguns meninos já estão no campo batendo bola com uniformes, meiões e chuteiras. Eu desço de camiseta comum, bermuda e chinela, como costumo descer para brincar no quintal. Meu pai vai na frente, conversa com o professor e depois me chama. Eu caminho devagar até o campo, o professor não me vê. Meu pai me explica que está tudo certo, aquele vai ser o meu primeiro dia, que depois a gente vê o resto. Me deseja boa aula e vai embora. O professor apita, reúne os alunos no centro do campo, me chama para mais perto, me olha da cabeça aos pés e me pergunta: “Cadê a sua chuteira?”. Eu dou de ombros. Então ele me pede para eu jogar descalço, eu tiro a chinela e coloco-a na beira do campo. O professor apita outra vez e os meninos começam a tocar nas bolas espalhadas pelo gramado, e se movimentam pelo espaço como jogadores profissionais fazem antes das partidas. Entendi. É o aquecimento. Eu começo a me aquecer. Vez ou outra a bola passa por mim, eu acerto-a com o peito do meu pé sem mirar em ninguém, depois me viro para o outro lado, como fazem os jogadores profissionais e os meninos no campo. De repente, uma bola estaciona na minha frente, eu penso em chutá-la, mas um menino se antecipa, levanta a pelota com os dois pés num movimento sofisticado, depois acerta um lançamento para um garoto que está na outra ponta do campo. Como ele faz para chutar tão longe?, eu me pergunto enquanto meu pé descalço começa a latejar. Depois tento chutar outra bola que vem em minha direção, mas quase quebro o dedão do pé. Não quero mais chutar a bola. Ainda tento triscar de leve uma que passa devagar ao meu lado, mas erro o alvo e chuto o vento. Ninguém mais toca para mim até o professor apitar outra vez. Vai começar a partida. Os meninos, automaticamente, se dividem em dois times, cada um de um lado do campo. Eu fico no meio sem saber em qual time jogar. Não há tempo, o professor apita e a partida começa, um jogo em que eu não estou escalado. Então começo a correr. Eu já não busco a bola e nem ela me busca. Corro no rumo em que todos correm. Passo os próximos minutos assim, à meia distância do jogo, aprendendo com os olhos ou assistindo à partida de perto. Em um escanteio, uma promessa do futebol infantil chuta a bola como se fosse levantá-la para um garoto posicionado na área, mas a bola faz uma curva e entra direto no gol. Todos correm atrás dele e comemoram o lance. Eu quero ser aquele garoto que faz curva na bola e todos abraçam, pensei. Eu quero aquele chute, aquela chuteira, aquele meião... A partida ainda está longe do fim, mas eu encerro minha participação sem ninguém notar minha saída. Caminho até a lateral do campo, numa espécie de substituição, mas ninguém me substitui. Depois caminho até o portão da escolinha, depois até a esquina, depois até o meu bairro. Chego em casa, abro a porta, meu irmão está no sofá, ele assiste a um desenho na tevê. Então me olha da cabeça aos pés e pergunta: “Cadê o seu chinelo?”.
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