Tenho perdido mais pessoas nesses últimos dez anos do que nos meus primeiros vinte e sete de vida. Bom, talvez isso nem seja uma verdade, mas é verdade que tenho sentido mais as perdas de agora.
Não tenho problemas com a morte. Sei que todos vamos morrer, e me preparo para esse espanto ruim que a vida nos dá. Mas tenho problemas com o que vem depois da morte, as ausências. Sinto as ausências e por isso sinto tristeza, melancolia e vontade de chorar. É o que tenho vivido mais nesses últimos anos de perdas.
Agora, no pensamento, fui à morte do meu avô materno. Foi um dia triste. Na casa da avó estávamos mal pelo tanto de ausência que ia ficar: nos almoços de domingo, na mesa do café, nos natais, nos aniversários...
Mas entre uma perda e outra, entre um choro e outro, ainda há instantes bonitos. Mesmo que tristes, bonitos.
Lembrei do próprio velório do vô, de quando a nossa família se abraçou bem mais do que se abraçava. Minha mãe falou palavras que eu ainda não havia escutado sair de sua boca, também chorou um choro que eu pouco tinha visto escorrer pelo seu rosto. Mulher forte, dura, mas naquele dia se derreteu, entregue à perda do próprio pai. Nos abraçamos, eu, meus irmãos e minha mãe, choramos juntos, emocionados, e ficamos como fios de novelo, entrelaçados num abraço quente que não consigo esquecer.
Quando meu pai morreu, eu estava em Paraty, numa feira literária, e tive que voltar às pressas para conseguir chegar a tempo ao velório. Antes de pegar um táxi, de Paraty para o Rio de Janeiro, bebi um vinho com um amigo. Foi um momento entre um choro e outro, um instante bonito. Depois entrei no táxi e passei as próximas quatro horas escrevendo um poema — sem saber que estava escrevendo um poema — e chorando. Chorei muito naquele carro, na companhia de um motorista que me olhava pelo retrovisor e, sem saber o que fazer, me confortava com os olhos. Também foi um instante bonito. As lágrimas não eram só de dor, mas de celebração. Eu estava celebrando, com palavras, toda a vida do meu pai no poema que eu escrevia. E foi uma vida tão grande, um poema tão real.
Cheguei ao Rio, peguei o avião, e quando pousei no aeroporto de Goiânia — ainda tinha uma estrada de sessenta quilômetros para chegar à cidade do meu pai —, fui recebido pela minha mãe, minha irmã e minha sobrinha. Minha sobrinha estava escondida atrás da minha mãe. No desembarque, foi ela que veio até mim, me abraçou, me beijou. Depois veio minha irmã e a mãe. Nos abraçamos e caminhamos pelo corredor do aeroporto em silêncio profundo, com os olhos mareados.
Cheguei quase de madrugada ao velório. Tinham poucas pessoas no local, o corpo e meus irmãos ao redor do corpo. Nos abraçamos também, depois fiquei ao lado do pai. Notei algumas pessoas me olhando: “o último filho a ver o pai morto”. Pensei no que elas estariam pensando sobre mim: “Um filho que não chora no velório do pai”.
Não chorei no velório do pai. Não deu tempo. Eu estava num instante bonito. Entre um choro e outro. Entre uma ausência e a próxima.
Pois sempre tem a próxima. Essa é a única certeza da vida, o espanto ruim.
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