Escrever é o hábito de guardar a vida em palavras. Coisa que alguns poetas exageram e guardam tanta vida, que às vezes é possível encontrar mais oxigênio num poema que no ar que respiramos.
Dos poetas mais vitais que conheci, Manoel de Barros é dos meus prediletos. A vida que Manoel guardou nas palavras, muitas vezes, nem vida antes tinha. A pedra no poema do Manoelzinho tinha até ouvidos: “Quando as aves falam com as pedras e as rãs com as águas – é de poesia que estão falando.”.
Para conversar assim, em poesia, é preciso desamadurecer-se, fazer um movimento contrário ao que a vida nos conduz, infantilizar o olhar, fingir desconhecimento sobre as coisas, para voltar a espantar-se com as coisas. É o olhar surpreso, ingênuo, sobre o que acontece ao redor que dá fôlego para o verso.
Matilde Campilho, poeta portuguesa contemporânea, disse uma vez que “um poema não salva uma vida, mas salva um minuto”. Às vezes, a poesia é tão fundamental, que o instante em que estamos, o instante em que lemos um poema, é capaz de se tornar maior que uma vida inteira. E o poema eterniza o minuta.
Javi Martí, escritor e poeta cubano, escreveu uma das coisas mais bonitas que já li sobre poesia: “Um grão de poesia basta para perfumar todo um século.”. Não há fórmula para se chegar a escritas tão simples e espantosas, de tão belas. A não ser que você seja uma criança sem nenhuma noção de mundo.
Casa das Estrelas (ed. Planeta) é um dos livros que mais me tocam. Javier Naranjo, professor e poeta colombiano, juntou durante quase 10 anos definições que seus pequenos alunos do primário davam a palavras, lugares, pessoas, objetos e sentimentos. E produziu o livro mais espantoso da poesia atual.
“Amor é o que cada coração reúne para dar a alguém”, escreveu Lina Maria, de 10 anos. Para Jonathan, de 11 anos, “Branco é uma cor que não pinta”. Para Duvan, de 8 anos, “Céu é de onde sai o dia”. E para Alejandro, que tem apenas 9 anos, “Criança é um humano em tamanho pequeno”.
Como escritor e poeta, sinto inveja tamanha, que até me constranjo em tentar escrever poesia e não conseguir alcançar esse universo das crianças. Ao mesmo tempo, quando leio nossos poetinhas, faço um movimento de reduzir-me ao máximo, até insignificar-me, tornar-me um completo irresponsável com as palavras para tentar escrever sem quase saber das coisas. É um exercício difícil, muitas vezes até vergonhoso de se ver (um homem do meu tamanho brincando de ser infantil), mas inevitável para a minha própria existência como escritor.
Poesia, por mais dura que às vezes soe, é divertimento. Sem a diversão (que começa no poeta, em divertir-se com as palavras), que nos faz rir tanto quanto nos faz chorar, não há razão para a poesia existir. É por isso que todo mundo, quando sonha, tem um pouco de poeta em si.
“Tem vezes que alguém não tem nada pra fazer e começa a escrever poesia”, foi o que a Blanca de 10 anos disse quando lhe pediram para definir poesia. E eu me sinto assim, terminando essa crônica, tentando falar de poesia, sem ter nada pra dizer. Ou tendo tudo.
“Quando penso que fiz poesia, um passarinho pousa na minha janela e pia.”. (Essa infantilidade é minha).
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