Semana passada me lembrei de uma cidade minúscula que conheci enquanto atravessava o Caminho de
Santiago de Compostela, na Espanha. Foi em 2017, na minha segunda peregrinação.
Era uma cidade, como muitos diriam, fantasma.
Digo isso pois me lembro de algumas histórias que vivi por lá: da igreja abandonada que tocava o sino à meia-noite; da criança correndo pelas ruas vazias gritando para irmos dormir; do velho artesão que construía em sua garagem uma miniatura da cidade minúscula.
Mas não me lembro do nome da cidade.
Até me esforcei para encontrar um registro que me fizesse recordar, mas não encontrei nem as fotos daquele dia. Pesquisei em listas de cidades do caminho e até nas listas das cidades da Espanha, mas apesar da sensação de que, caso avistasse o nome eu o reconheceria, não consegui recordá-lo.
Só me lembro que era um nome tão pequeno quanto a cidade.
Aliás, a cidade diminuía ano após ano. Essa foi outra informação que busquei quando cheguei àquela vila, os números da população. E descobri que a cidade estava sumindo. Era o que diziam os últimos censos. No último registro, de dois mil e vinte, constavam só sessenta habitantes.
Esses foram os ingredientes que me fizeram, na semana passada, tentar escrever um texto. Então eu comecei a rabiscar uma crônica, mas não rolou. Eram histórias absurdas demais para estarem em uma crônica. O gênero não suportava, as histórias eram maiores que a estrutura.
Agora também me lembrei de outra história, de quando enviei meu novo romance para a minha agente literária. Semanas depois do envio, ela me devolveu o livro com bons elogios, mas com um grifo em um pequeno trecho. Seu comentário junto ao grifo foi que achava aquele trecho “um pouco exagerado demais”, com essas palavras, para dar mais graça ao grifo. Então eu ri. Sim, era um trecho um pouco exagerado, mas inspirado absolutamente em uma cena real que vivi. Não tinha exagero, era a vida se mostrando mais absurda do que a própria ficção. No fim, eu retirei o trecho sem pesar, pois não importava tanto para a história que eu havia escrito.
Voltando à história da cidade, com medo de que não acreditassem em mim outra vez, depois de tentar transportar essa história para crônica, mudei de gênero. Ao invés de escrever uma crônica, resolvi escrever um conto inspirado nas memórias. Uma história que agora mistura o terror de uma cidade fantasma com um amor improvável…
O que quero dizer com isso tudo é que, de um jeito bonito, a curtição de um erro, de um deslize ou de uma imperfeição no caminho pode nos levar a muitos novos caminhos. Como esse, de transformar uma crônica absurda em um conto possível. Muita gente abandonaria uma história no meio por temer o absurdo. Muita gente diria “não” a um caminho diferente do traçado no começo por receio de errar. E esse é o maior erro que podemos cometer quando vamos criar: desistir do erro.
Escrever criativamente é uma atividade que só se realiza com as imperfeições no colo. Hoje são elas, mais do que os acertos, que dão caldo à minha escrita.
O perfeito é uma coisa só. Por isso nem tem tanta graça. O imperfeito é imprevisível.
Agora só me falta me lembrar do nome da cidade. Ou talvez a não-lembrança seja um caminho para eu criar o título do conto da cidade fantasma sem nome. Saberemos em breve…
Últimos dias para aprender a errar
Não perca a chance de explorar o poder criativo dos seus erros. Inscreva-se hoje e garanta sua vaga na Oficina do Erro. Começa na próxima segunda-feira, dia 26. Saiba mais aqui > > > www.lucaoescritor.com/cursos
Comments