Quando penso na felicidade que muitas pessoas de hoje acreditam, nessa felicidade que fica no topo das coisas, que pra ser alcançada é preciso ser o mais bonito, o mais rápido, o mais caro, o mais sarado… quando penso nessa felicidade, que pra você conquistar é preciso subir e subir e subir, me lembro do pé de morango baixinho que tinha na casa da vó.
Domingo era dia de vó. Era dia de almoço em família, de rever os tios, os primos, de comer as comidas mais gostosas da semana, numa mesa de madeira antiga, supitando de panelas e amor. Todo domingo a gente alternava e almoçava em uma vó diferente. Um domingo era da vó Nininha, outro, da vó Jovita, tudo pra não causar ciumeira. Nunca vi povo gostar tanto de neto como as avós.
O pé de morango ficava na casa da Dona Jovita, minha vó paterna. E eu me lembro de cada detalhe dessa casa, uma casinha das mais simples, num dos bairros mais antigos da cidade, onde tudo era antigo, até os vizinhos, quase da família… uma casinha pequena que, aos domingos, crescia dum tanto, que cabia a família toda, os onze filhos e o dobro de netos.
O portão era de grades de ferro, vazado, meio velho, fazia um barulho danado quando a gente abria, como se avisasse a Dona Jovita que os netos chegaram. A porta da frente ficava depois do portão e dava direto na sala. Me lembro que ali ficavam os tios, assistindo televisão enquanto o almoço não ficava pronto. Não tinha jeito de atravessar a sala sem dar a “benção” para todos.
Pra chegar no quintal demorava, tinha a cumprimentação toda da sala, depois, na cozinha, tinha o cumprimento mais importante, a benção da vó. Na verdade, era só essa benção que abençoava de verdade, o resto era como se fosse um ensaio, pra quando os tios virassem avôs ou avós. Aí, depois de todos abençoados, corríamos pro quintal atrás da felicidade que estava plantada no chão.
Me lembro de tudo que tinha nesse quintal: do cachorro enorme (que quando a gente é pequeno, o mundo é gigante) amarrado numa árvore grande, uma árvore que fazia uma sombra gostosa em todo o quintal. No fundo, num canto, tinha a casinha do cachorro, uma grade que protegia as crianças das mordidas do cachorro e, no outro lado, uma hortinha que a vó cultivava os temperos e as frutas que usava na cozinha.
Enfim, a horta. Um cantinho lindo, bem cuidado, com cheiro de frutas bem frescas… na verdade, era cheiro de amor. No meio da horta, numa fileira só deles, os morangos. Me lembro desse pezinho de morango que, de tempos em tempos, se enchia de frutas vermelhas enormes e suculentas.
E aí eu me lembro que pra ser feliz naquela época bastava a gente se aproximar devagar da hortinha, abaixar um pouquinho, pegar um morango do pé e comer. Um morango fresquinho, colhido na hora. Uma felicidade facinha de apanhar e gostosa demais de experimentar.
Me lembro que, na casa da vó, era assim que a gente degustava a felicidade, aos domingos, depois das bênçãos, num quintal bem fresco, estendendo nossas mãos mais para o chão que para o topo da vida.
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