Quando penso em poesia, um dos primeiros versos que me veem à mente é de Mario Quintana, que me servem como molde: “Haverá ainda, no mundo, coisas tão simples e puras como a água bebida na concha das mãos?”.
Penso que esses versinhos de Quintana resumem bem o trabalho de quem escreve poesia: de procurar o simples e o puro, como quem bebe água sem dificuldades, numa fonte natural, num riacho, usando o próprio corpo de forma artesã, com as mãos.
Gosto de refletir sobre como é difícil beber água hoje. Não notamos porque já nos acostumados a nos hidratar nesse sistema complexo. Primeiro, se você vive na cidade, é preciso que esse lugar tenha saneamento básico, para que a água seja levada a você por dutos que atravessam a cidade inteira, num emaranhado de canais sem fim. São eles que distribuem a água para centenas de milhares de casas e prédios. Água que vem de uma central de tratamento, outro sistema complexo e dispendioso que transforma córrego, riacho e rio em água encanada. Depois que ela chega na sua casa, você precisa de um filtro e de um copo, que também são feitos em indústrias, com sistemas difíceis de serem explicados aqui. E antes de beber a água, você ainda precisa trabalhar e ganhar dinheiro para poder pagar por essa água. Só depois você pode bebê-la.
É assim que a gente bebe água hoje em dia.
É assim que muita gente faz poesia, num sistema complexo, com elementos exageradamente tecnológicos, mecanizados e não humanos. Usam fórmulas, imaginando que exista alguma fórmula capaz de fazer poesia. Esquecem que poesia é o contrário: é a anti-fórmula. Copiam estruturas de outros poetas, mudando palavras de lugar ou modificando um pouco a estrutura, danificando o poema. Ou seja, esgotando e destruindo o pequeno riacho.
Aí vem Mario Quintana com seus versos para nos lembrar que a poesia é simples e pura como a água bebida na concha das mãos. Sinto até saudade da chacrinha da minha vó, dos quintais das casas daquele tempo, com água corrente natural, um corregozinho — corguim para os mais antigos — ou uma bica que traz água diretamente da fonte, do rio.
Hoje é fácil ler poesia. A internet está cheia de perfis e sites com poetas diversos. Mas, também, quanto mais poesia eu vejo na internet, menos poesia eu encontro. Quero dizer que essa poesia simples e pura, a pura poesia, os jovens poetas ainda não descobriram como se faz. E nem sei se eles querem. Parece que as redes sociais são mais interessantes que as redes de palavras de um poema. O desejo de estar na internet é maior do que o desejo de estar no poema.
Pode ser uma impressão ou um certo desgosto com as redes, mas os versinhos simples estão sumindo outra vez. Estamos perdendo a mão, exagerando, tentando alcançar a palavra que não é alcançável, nem palpável, nem cabe nas mãos.
Para fazer verso não carece tanto. Basta que eu pegue a palavra mais simples, a que corre no córrego que passa no quintal da minha casa, e beba-a. Mesmo que eu viva no décimo andar de um prédio, no meio de uma cidade grande, sem quintal e sem córrego.
Toda casa tem uma fonte pra gente beber água e poesia na concha das mãos.
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