Que saudade dos meus cabelos longos que batiam nos ombros!
Se eu dissesse isso onde já trabalhei, nas agências, no futebol, na indústria ou até no grupo de whatsapp dos amigos da escola, tenho certeza que ouviria uma piada homofóbica.
Sinto saudade dos meus cabelos longos. Por alguns anos, na juventude, consegui mantê-los, e por mais que eles me dessem trabalho, eu gostava dos cabelos compridos. Na época, cortei porque cansei. Não dos cabelos, mas das piadas. Fui um homem fraco. Não é assim que se diz das mulheres que não suportam uma piadinha, um xavequinho, ou melhor, uma brincadeira machista? Que são fracas? Pois me lembrei como fui fraco. Por conta de umas piadinhas, de uns assediozinhos, cortei o que eu mais gostava em mim, e agora vivo com saudade.
Faz dois anos que não corto meu cabelo num salão. A pandemia me deixou com medo de sair de casa e com pavor de lugares fechados. Pois não fui. Aprendi a fazer eu mesmo uns reparos na cabeleira.
Quando a pandemia começou, até pensei em deixar os cabelos crescerem outra vez e matar a saudade dos fios nos ombros, mas não consegui. A falta de habilidade em usar o meu barbeador foi um dos motivos: nas primeiras tentativas, cortei mais do que queria, arranquei tufos. E, assim, ao invés de crescerem, meus cabelos diminuíram. Depois fui aprendendo a tirar só as pontas, até virar uma mania incontrolável, a de tirar as pontas do cabelo toda vez me via no espelho.
Este sou eu agora, tirando pontas do cabelo cada vez que me olho no reflexo do banheiro, mesmo ainda querendo o cabelo maior... Porque sou fraco e, no fundo, o que tenho não é mania, é medo de que os cabelos cresçam e eu volte a ouvir as piadas de antigamente.
Na infância, eu jogava basquete, participava de campeonatos, e por ter um irmão gêmeo que jogava na mesma posição, muita gente do esporte nos conhecia. Mas eu era o “cabelo”, me chamavam assim, de “cabelo”, e eu sabia que não era só um apelido baseado no meu corte, mas uma piada baseada na semelhança dos meus cabelos com os das meninas. Sentia isso quando me chamavam pelo apelido. Fingia que não me importava, mas pouco tempo depois fui com minha mãe ao salão e cortei o cabelo bem curto.
Nessa época, também fui trabalhar numa fazenda, por dois meses. E lá, o meu apelido era “Babalu”. Demorei a entender que o apelido era por conta de uma personagem de novela, que se chamava Babalu, interpretada pela Letícia Spiler. Seu cabelo batia no ombro, como o meu. Era linda. Eu era a Babalu da fazenda.
O fim da picada, ou o corte, foi quando um motoqueiro me perseguiu por várias quadras das ruas do centro da cidade onde eu morava, enquanto eu caminhava para casa. Ele assobiava para mim, parava sua moto, me convidava para me sentar na sua garupa... Fez isso repetidamente, por um longo trajeto, até eu me enfiar num mercado do bairro e esperá-lo sumir. Tive medo, mas, com vergonha, não pedi ajuda a ninguém.
Hoje olho as fotos da época de quando os cabelos batiam no ombro e sinto saudade. Mas também sinto medo do que eu possa viver.
Meu deus!, como nós, homens, somos fracos demais.
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