*Crônica publicada originalmente no jornal O Popular
Um magnata chega a um vilarejo em um zepelim gigante… não. Um magnata chega a um vilarejo em uma Mercedez gigante. Num vilarejo que não tem quase nada além de vida. Onde as casas, as comidas e as roupas são todas construídas, plantadas e costuradas pelos moradores. No vilarejo não tem quase nada, mas todos são acostumados a viver assim, com simplicidade, com pouco ou o suficiente… dá igual. Para o magnata, o vilarejo não tem nada e todos são tristes por isso, apesar de não serem.
O milionário então decide melhorar o vilarejo. A primeira grande obra que faz é uma maternidade. Em poucos dias ela está pronta. E com a maternidade pronta, decide contratar os próprios moradores para trabalharem no hospital. E os moradores do vilarejo, que não sabiam quase nada, de repente aprendem o que é maternidade e trabalho.
Com a maternidade e o trabalho prontos, o magnata constrói uma escola e uma universidade. A primeira, para as crianças nascidas na maternidade. A segunda, para os funcionários do hospital. Contrata mais moradores para os novos empreendimentos e, de repente, o vilarejo todo descobre o que é mensalidade escolar e hora extra.
As obras não param. Depois da maternidade, da escola e da universidade, o magnata constrói um mercado. E os moradores do vilarejo, sem tempo para plantar e colher suas próprias comidas, descobrem o que é comprar fiado. E o magnata continua as melhorias e o vilarejo começa a ganhar cara de cidade. Para as dívidas dos moradores, constrói um banco. Para ajudar o banco com as cobranças, constrói um escritório de advocacia, uma justiça tendenciosa e uma pequena empresa de segurança privada, que o magnata batiza de “polícia”. Todas as obras geram emprego e dívidas aos moradores do antigo vilarejo.
E quando a cidade começa a viver seus primeiros problemas com furtos e roubos, já que falta dinheiro para comprar a comida que eles não conseguem mais plantar, o magnata constrói um castelo com muros altos, celas e grades. À sua grande obra dá o nome de “prisão”. E os primeiros moradores obrigados à morar na prisão descobrem o que é o ócio, já que na prisão eles não fazem nada.
E o magnata continua suas obras. A empresa que mais te dá orgulho e dinheiro é a pequena fábrica de marmitas, que fornece comidas vencidas aos presos. Logo, com a planilha de lucros nas mãos, decide investir seu tempo e dinheiro nesse novo negócio. Aproveita os espaços livres da prisão para transferir sua produção de marmitas vencidas, assim diminui os custos com logística e funcionários. Em seguida, manda prender todos os moradores do vilarejo, inclusive os seguranças, banqueiros e juízes, que só queriam lhe sugar.
Com uma visão mais apurada de negócio, de fora da prisão o magnata passa a chave no portão e a joga bem longe. Entra na sua Mercedez gigante e vai atrás de novas áreas para construir mais presídios e empresas de marmitas vencidas.
E os moradores do vilarejo, que não sabiam o que é felicidade, descobrem o que é tristeza. Fim.
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