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Lucão

Mais que vizinhos

Desde que me mudei para este apartamento, perto da Paulista, não vivo só no meu apartamento. Vivo no meu e nos dos meus vizinhos. É que o prédio logo em frente é tão próximo que, praticamente, dividimos a casa.

Aliás, faz alguns meses que a vizinha bailarina se mudou. O menino que dividia o apartamento com ela se foi na semana passada. O casal de jovens nerds que morava no canto esquerdo inferior dos meus olhos também foi embora, faz um mês. Muitos apartamentos ainda estão vazios. E, olhando assim, parece que não mora mais ninguém no prédio inaugurado no ano passado.

Mas mora. Deixe-me atualizar vocês.

Como eu dizia, tudo que acontece no prédio de lá, eu vivo como se fosse aqui. E já considero amigos os vizinhos que ficaram. Alguns, já são até inimigos.

Tinha um casal, no canto inferior direito dos olhos, que eu sabia que não ia durar. Todos as noites, eles se sentavam juntos no sofá. Ele, de cueca, colocava uma perna sobre o estofado e a outra no chão, enquanto as mãos iam direto para o saco. Uma cena de pouca fineza. A mulher, mais educada, mais bem vestida, se sentava ao seu lado, com um computador no colo, como se trabalhasse mais... A mulher exausta. Eles não se davam carinho. Então, um dia notei que a moça não estava mais lá. Depois passou uma semana, um mês... Ela nunca mais apareceu. E eu a entendo. Pois eu também já pensei em ir embora dali por causa dele.

“Acho que foi ela que terminou”, eu disse à minha parceira. “Ela quem?”, me perguntou da sala. “A moça do apartamento do rapaz de cueca”. Minha parceira veio à sacada confirmar o que eu havia dito. “Já era tempo”, encerrou o papo enquanto voltava para a sala.

O vizinho de cima, do canto superior esquerdo, torce para o flamengo. Nos dias de jogos, reúne alguns amigos no apartamento. Então eles bebem e prolongam a noite com conversas pela varanda. Eu torço para o Corinthians, mas faz tempo que nem assisto aos jogos. Acho que por isso não temos a rixa, ele não sabe que eu torço, eu não uso camisa de times. Também nunca trocamos um sinal de amizade com as mãos, nem um aceno com a cabeça quando nos vemos das varandas. Talvez a rixa exista sim.

Há pouco tempo, comecei a pensar sobre mim. O que será que meus vizinhos pensam de lá para cá?

Então passei a me vestir melhor. À noite, pego uma taça de vinho, vou para a varanda, me deito na rede e finjo que tenho certa classe. Quando minha namorada vem, a gente conversa mais, se abraça mais, se dá mais carinho. Nunca mais peguei no meu saco. A coluna, ereta quando estou no sofá. Me sento e cruzo as pernas, como um escritor refinado faz. Não deixo mais a louça suja na pia. Chão sempre limpo, móveis sem poeira. Livros organizados por cores nas prateleiras.

O que será que eles pensam de mim?

Enfim, semana que vem eu saio de férias. Será que vão sentir minha falta? Vão pensar que me mudei? Não sei.

Só espero que não se esqueçam de regar as minhas plantas.


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