Sou filho de uma manteiga derretida e de uma mulher que finge que não é, mas se derrete e chora por tudo – uma manteiga de geladeira, que vive esquecida na mesa do café. Por isso, choro por qualquer coisa. É genético.
Choro quando escuto música bonita, quando vou ao cinema ou vejo filme no Netflix. Choro com filme que tem música bonita, com filme mudo, com gente muda e que fala pelos cotovelos. Choro com as matérias do Regis Renzi, com propagandas de fim de ano de marcas de refrigerante, sabão em pó e manteiga. Choro bastante.
Quando eu era mais novo não era tão fácil chorar. Ouvia que homens não choram. É claro que não chorava menos por isso, mas chorava mais escondido que em público. Sou filho dessa sociedade que ridiculariza as emoções. Mais adulto, quando deixei de me importar com o que os outros achavam, chorei pra muita gente ver.
Em 2016, quando fui ao Caminho de Santiago de Compostela pela primeira vez, deixei muitas das minhas águas por lá. Como eu chorei nessa jornada! E não foi só de tristeza, foi de espanto e beleza. Lembro-me do dia que mais chorei. Foi no único dia que choveu nos meus vinte dias de caminhada.
Eu estava mal, não conseguia caminhar direito, com dores nas pernas e desolado por não conseguir acompanhar meus amigos peregrinos. Cheguei à porta do albergue das irmãs benedictinas de carona com Trini, uma mulher afetuosa, que acompanhava seu marido assim, dirigindo enquanto ele caminhava. Cheguei cedo, o albergue ainda estava fechado, me sentei na escada próxima à porta para aguardar o horário do check-in. Trini foi dar um passeio pela cidade. Quando ligou o carro e saiu, a porta do albergue se abriu, umas das hospitaleiras me viu e me cumprimentou. Quis saber o motivo d’eu estar ali tão cedo. Quando soube dos meus machucados, me colocou logo para dentro.
Antes de atravessar a porta de entrada, a irmã me abraçou e disse algo como: “Não é fácil chegar até aqui. Mas você conseguiu. Já é um peregrino.” E eu desatei a chorar, amparado por esse abraço. A irmã me sorria, como se fosse normal chorar ali. Assim que sequei minhas águas, entrei. As irmãs ainda estavam limpando o local para receber os peregrinos. Era dez e meia da manhã e o albergue abriria somente às 13h.
A hospitaleira me convidou a esperar no refeitório, enquanto terminavam de limpar os quartos. Outra irmã organizava a cozinha. Eu observava o ambiente e pensava no Caminho. Na primeira palavra que se dirigiu a mim, eu chorei outra vez. Solucei, na verdade. Logo, ela se sentou ao meu lado e me abraçou, só pra eu chorar ainda mais. Eu já era um rio nessa hora.
Quando me convidaram a subir para o piso dos quartos, peguei minha mochila e, antes de pisar no primeiro degrau, outra irmã apareceu para me receber e a primeira coisa que fez foi me abraçar. Eu quis impedir, porque sabia que ia chorar mais uma vez, mas não deu tempo e eu chorei como uma criança.
Subi as escadas lembrando dos meus pais, das manteigas derretidas. Cheguei ao piso superior me derretendo em choro, mas feliz com tanto afeto, tanto abraço. Tomei um banho, me deitei e dormi até meus amigos chegarem. E quando eles finalmente chegaram, adivinha?
A manteiga nunca mais foi pra geladeira.
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