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Lucão

Metade eu, metade ele


Um dia, o Henrique, meu irmão gêmeo, quebrou o braço. No outro dia, na escola, teve prova de matemática. E eu fiquei com dó do meu irmão ter que fazer a prova com o braço engessado. Então, quando a professora se virou de costas, propus que trocássemos de lugar para que eu fizesse sua prova também. Ele topou, eu fiz. Uma semana depois nós dois recebemos os zeros que eu conquistei com muita pena.


Tenho um irmão gêmeo idêntico. Hoje, muitas pessoas que descobrem que somos gêmeos e pedem para vê-lo nas fotos, dizem que não nos parecemos tanto. Mas é mentira. Nos parecemos muito. É verdade que temos cortes de cabelos diferentes, barbas diferentes, nos vestimos de formas diferentes, mas ainda somos idênticos.


Meu pai dizia que nunca se confundia, sempre sabia distinguir nós dois, a não ser quando molhávamos o cabelo, “aí não tinha jeito”. E é verdade. Tenho uma foto com meu irmão no mar, que mostro para todos que me desafiam dizendo “vocês não são parecidos”. Estatisticamente, cinquenta por cento dos que veem a foto acertam, a outra metade erra. É um chute, estamos muito parecidos no retrato. Meu pai tinha razão: molhados somos um só.


Adoro ter o Henrique como gêmeo. Não sei o que é viver fora disso. Nem sei o que seria da vida sem essa graça de ter um cara que é a minha cara.


Passamos a vida atendendo pelos dois nomes: Lucas e Henrique. Se escuto alguém gritando o nome do meu irmão pela rua, me viro sem pensar. Ele faz o mesmo, foi assim a vida toda. Nos acostumamos a atender pelos dois nomes, pois as pessoas se confundem quando não estamos juntos. E essa é a minha rotina desde que me lembro que existo: atender pela existência de duas pessoas.


“Como é ter um irmão gêmeo?”, me perguntam. E o que penso é: “Como é não ter?”. É o que sei sobre a vida, ter um irmão que é a minha metade. De fato, somos a metade de um óvulo só, fertilizado por um único espermatozoide. Temos o mesmo DNA. Num teste de paternidade, nós dois levamos a autoria. E isso é bem maluco de pensar. Mas essa é a minha vida, eu só sei viver assim. Para mim, vocês também são esquisitos por não terem um irmão gêmeo.


Temos um vínculo forte. Nunca fomos os irmãos que se odeiam. Nos amamos muito, nos preocupamos em demasia um com o outro, mais até do que me preocupo com os meus outros irmãos. Isso não diminui meu amor pelos demais, mas é que o Henrique é a minha outra metade, vocês me entendem...


Lembro-me de quando estudávamos, no ensino médio, e estávamos por decidir os cursos da graduação. Nós dois adorávamos os esportes. Jogamos basquete no mesmo time, na mesma posição. No karatê, lutamos lado a lado e nos revezávamos nos pódios: quando ele ficava com o ouro, eu com a prata e vice-versa. Nadamos juntos nas piscinas. Daí, era óbvio nós dois querermos a educação física. Mas quando ele passou no vestibular, eu comemorei como se eu mesmo tivesse passado. Me satisfiz. E fui fazer outro curso, saciado.


A vida toda foi assim, me sacio com as conquistas do meu irmão, sinto suas dores, brigo suas lutas, rio suas graças. Me realizo com a outra metade que me falta.


Pois eu só sei viver assim: metade eu, metade ele.

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