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Lucão

Meu pedaço do bolo


Nunca tive dúvidas sobre quem são meus grandes amores. Muitos amores passaram, em abraços, em beijos, em viagens... E o amor de agora me faz ter esperança no grande amor romântico outra vez. Mas nunca tive dúvidas sobre meus eternos grandes amores: minha família, cada vez menor, mas cada vez mais preciosa.

Também nunca senti tanta saudade deles. E me lembrei que é na saudade que se nomeia um amor.

Eu e meus irmãos crescemos juntos. Mesmo com os pais separados, o amor sempre foi presença forte na nossa família. O pai morreu há cinco anos, mas o laço continuou firme.

Na convivência a gente não percebe a beleza dos acontecimentos próximos a nós — não sei porque estou dizendo isso no plural, este trecho é sobre mim. Hoje sinto muita falta de estar com eles.

Posso dizer isso sem sofrer mais do que o fato merece. Faz dois anos que vim morar em São Paulo. E agora, no início do terceiro ano, sinto esta saudade aguda...

Há pouco, eu dizia que seria difícil voltar para casa. Eu menti. Não seria difícil voltar. Seria bem fácil. Seria o caminho rápido, voltar para onde estão os grandes amores da minha vida.

Ontem, brinquei com eles numa conversa de vídeo-chamada, enquanto se divertiam no aniversário da sobrinha. Eu disse que, desde que vim, nossa família fica cada dia mais feliz. Pois se eles estão felizes, me alegro também. A minha tristeza é de não poder registrar com a minha pele triscando na deles essa alegria que vivem.

Eu não sei sobre os dias que virão. O que sei: minha família está feliz agora e eu não posso comer o pedaço do bolo que a sobrinha reparte e entrega a cada um deles. Não posso mostrar o meu riso enquanto eles riem para as fotos que publicam nas redes. Essa felicidade em família me faz falta.


Digo isso pois estou a dois dias de revê-los. Digo isso com essa felicidade iminente — pareço um escritor triste escrevendo contradições sobre alegria e tristeza, mas acredite, não sou triste. Sou alegre. E até celebro a tristeza deste momento, enquanto assisto pela vídeo-chamada minha família se lambuzar. Isto não é contradição, é um olhar feliz sobre a minha vontade de estar lá agora.

Tenho pensado mais, como escrevo agora, nessa escolha que fiz, de me mudar e viver longe do meu povo. Nesta distância que me faz experimentar sentimentos que eu não sentia enquanto estávamos juntos.

É isso! Foi para isso que vim, para sentir estes sentimentos e aprender a viver com eles. Talvez isso me leve a experimentar mais a vida. Talvez isso me ajude a ter uma jornada mais corajosa. Esta é a minha aposta.


Possivelmente eu esteja errado. Possivelmente, um dia, eu só me arrependa de não ter passado com eles esses dias felizes — este é o texto com mais dúvidas que já escrevi, escrito não com as mãos, mas com a saudade.

Se me pergunto agora o que quero fazer, se quero voltar para minha terra ou ficar nesta cidade longe do meu povo, respondo que quero voltar. Em seguida, me arrependo e digo que quero ficar. Mas que quero ir vê-los mais. E me lembro que não precisamos nos ver tanto para mantermos o laço. E, por fim, volto a pensar que, mesmo não precisando, vê-los mais me deixaria mais feliz.

Então, eu entraria pela sala onde estão celebrando o aniversário da sobrinha ou da tia ou da mãe, e cumprimentaria um a um estendendo o corpo conforme a posição na família: a mãe, com um abraço e um beijo; as irmãs, com um beijo; os irmão, um aperto de mão e um abraço; e um aceno para os demais convidados. Consigo ver toda a cena, e entendo que foi assim que suportei estes dois anos, imaginando.

Ao menos, neste texto duvidoso, ainda me sobra uma certeza: a de querer ter meus grandes amores por perto.

Por via das dúvidas, estou indo lá trocar a fita, reforçar o laço, buscar meu pedaço do bolo.

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