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Lucão

No fim eles não se beijam


Outro dia comecei a escrever uma crônica sobre o casal de vizinhos que mora no prédio em frente ao meu. Somos vizinhos de varanda e a gente se vê por completo, de tão próximos que nossos apartamentos estão. Eles sabem de tudo que acontece na minha sala e eu, na deles.


Há um mês, comecei a escrever uma crônica sobre os dois, o casal que não se beija nem se abraça. Achei curioso reparar nisso, porque eles conversam bastante e, aparentemente, se divertem juntos, riem muito. Parece um casal amoroso, mas que não se beija.


Observando os dois me lembrei dessa questão dos relacionamentos, das pessoas que se namoram há um tempo e se acostumam a trocar pouco afeto. Dormem juntas, tomam o café na mesma mesa, assistem a filmes no sofá, riem das mesmas besteiras, conversam amenidades, mas não se beijam.


Eu já vivi relações assim. Me lembro de nos amarmos por anos desse jeito, com respeito e cumplicidade. Mas com pouco beijo, pouco contato físico.


A gente se acostuma a amar assim, mesmo não sendo isso que, no fundo, a gente quer. Hoje tenho até certo medo de viver um grande amor — mesmo que a minha terapeuta tente me convencer do contrário —, por não querer me acomodar com pouco contato, pouco beijo.


Eu gosto de beijo. Todo mundo gosta.


Também tenho um outro medo — de repente essa minha crônica virou uma sessão de terapia —, de me relacionar com as pessoas e depois perder a amizade. Uma amiga me escreveu uma frase que resume esse meu sentimento: “A amizade acaba depois que se diz “eu te amo””. Sei que você que me lê vai discordar do que ela disse, vai tentar me provar que existe amizade depois do amor, vai dizer que acredita nessa possibilidade. Mas quantas vezes você já viu isso acontecer? Quantos ex-namorados vão à sua casa para conversar, falar de amenidades, ver um filme?


Adoro beijar na boca, gosto de transar também, mas hoje eu prefiro o abraço dos amigos ao beijo dos futuros inimigos. Isso eu também já disse à minha terapeuta: tenho medo de amar e de depois sair perdendo.


De tanto reparar nos vizinhos, um dia me toquei que eles não eram um casal. De fato, não eram parceiros amorosos. Eu me enganei. Criei expectativas quando vi como eles se davam bem nas conversas e nas graças. Depois me frustrei quando percebi a falta do beijo e do toque. Mas eles, de fato, não são um casal. O rapaz é gay. A menina é garota de programa. E eles são amigos, que dividem o imóvel e as bagunças que aprontam no minúsculo espaço em que vivem.


Sobre como eu descobri que o rapaz era gay e a menina, garota de programa, vai ficar para outra crônica, num horário mais apropriado. Mas fiquei feliz com o final triste, deles serem apenas amigos.


Ou melhor, deles serem amigos que não se beijam, mas que se amam mais.








1 Comment


Paloma Rezende
Paloma Rezende
Jul 07, 2022

Gostei muito! Me inspirou a fazer a aula

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