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Lucão

Não se fazem mais antiguidades como antigamente

​Acabo de descobrir que o celular que eu comprei ontem já ficou defasado. É isso mesmo! Do dia pra noite, meu celular novo ficou velho, démodé. E olha que eu escolhi o mais moderno que tinha, aproveitei uma promoção pra levar o de última geração… mas em um dia, a geração novamente cresceu. Dormi atual. Acordei defasado.

Soube por e-mail, assim que acordei, ainda orgulhoso com o novo aparelho. O primeiro e-mail que li era de parabéns pela nova aquisição. O segundo, uma chamada para aproveitar o lançamento de um novo celular, com novo design, tela maior, mais rápido, fotografias ainda mais bonitas e etc.. Me desatualizei. E o que eu concluo com essa experiência é que o tempo para as coisas atuais está mais escasso. O atual é um momento cada vez mais breve, superado por coisas ainda mais breves e perecíveis. O agora quase não existe mais.

O futuro já nem é tão futuro assim… quase presente. E o presente já perdeu a qualidade de ser o momento que a gente vive agora. O presente é um instante muito rápido, pronto pra virar passado e ser esquecido. E o passado, esse é coisa de antigamente.

Antigamente demorava anos pra você virar passado. Primeiro, tinha que virar avô, e só depois ficava antigo. E pra virar avô demorava anos… mas antigo, antigo mesmo, só os bisavós, esses senhores bem velhinhos, cheios de rugas, de histórias, de filhos, de netos, bisnetos. Hoje não existe mais respeito aos que são de antigamente. Qualquer um pode ser antigo, basta ter um celular ou alguma outra coisa para ser superada. Nesse exato momento, tem um bocado de gente que está se matando para transformar tudo que é atual em desatualizado. Esse é o objetivo dessa corrida humano-tecnológica, desatualizar as coisas, superar o que acabou de ser criado, para depois ser superado de novo e de novo e de novo…. E nós, humanos, estamos cada vez mais assim, defasados, antigos. Mais apressados, consumindo coisas ligeiras. E menos pacientes para as coisas que demoram, como, por exemplo, uma conversa. Uma conversa boa é aquela que demora. É precisa gastar tempo para conversar… estou falando de conversa de verdade, onde uma pessoa fala e a outra escuta. Depois elas se invertem e a conversa continua. Conversa de gente curiosa, atenta, interessada. De gente humana desatualizada. Gente antiga. Noutro dia, num encontro rápido com um amigo, fui perguntado sobre uma viagem que ainda vou fazer, e antes de lhe contar, ele já havia me passado dicas, cuidados e uma sequência de exercícios físicos para ajudar na preparação. Depois ele se levantou, disse que estava apressado e saiu. E eu não falei uma palavra. Foi um tipo de conversa nova. Uma desconversa muito atual. Defasada. E nessa correria toda deixamos para trás as coisas mais bonitas que temos: as de antigamente. Eu sei que uma conversa vai ser boa quando alguém começa a prosa assim “Antigamente”. E a conversa demora… Hoje, o antigamente quase nem existe mais. O que é antigo agora, na verdade nem é coisa antiga assim. Só defasada, como o meu celular. Porque antiguidade boa mesmo só se faz com calma e com muito tempo. “A pressa é uma forma de perder o que realmente importa, numa velocidade impressionante.”

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