Tem muita natureza nos autores e livros que gosto de ler.
Reparei nisso outro dia quando precisava encontrar um poema para um trabalho e abri o livro de Pablo Neruda: “Teus pés toco na sombra, na luz as tuas mãos e no voo me guiam os teus olhos de águia.” Mesmo que como metáfora, estão sempre lá as águias, as sombras frescas, os campos e os sertões. A vida no estado mais natural.
Fiquei pensando um tempo de onde vem esse meu gosto pela natureza na literatura. Aí me lembrei da “chacrinha” da minha vó, de 30 anos atrás.
Nesse tempo era comum morar em chácaras. As cidades menores eram uma espécie um aglomerado de pequenas chácaras, rodeadas por natureza. A da minha vó era uma casinha simples, de chão de cimento vermelho, poucos cômodos. A mesa do café ficava sempre pronta na cozinha, com uma garrafa de café e um saco de pães sobre a mesa. Tinha um filtro de barro que ficava na bancada da pia. E uma porta ao lado que dava direto para o quintal. Um quintal cheio de natureza. Tinha até um córrego que passava por dentro da chácara, uma bica pra beber água da fonte.
Daquele tempo pra cá, minha vó se mudou bastante. A casa seguinte à chácara era numa região mais urbanizada. Mas ainda tinha um quintal imenso, cheio de plantas, pés de árvores frutíferas, uma casa de cachorro no fundo e alguns cachorros correndo atrás de calangos. Tinha pé de manga, amora, banana e até um pé de jaca — e quem conhece um pé de jaca sabe que o quintal era bem grande. Era uma área até maior do que a da chácara. Só não tinha o córrego. Mas, mesmo assim, eu, meus irmãos e os primos adorávamos aquele quintal.
Aí a vó se mudou outra vez e outra vez e outra vez... E hoje mora numa casa menor, com um quintal mais modesto, com poucas plantas, num bairro sem mata, sem parque, só de ruas e cimentos. O filtro de barro está lá, na cozinha, mas no quintal as árvores frutíferas deram lugar a um pequeno jardim, com flores e plantas modestas. Já não é um quintal de brincar nem de sentir tanta saudade.
Que saudade dos quintais das casas antigas da minha vó!
Mas não era sobre o quintal da vó que eu queria escrever, mas sobre os quintais dos livros. Foi lendo Pablo Neruda que deu essa saudade da literatura que exalta a natureza, os animais, insetos, plantas e quintais. Da literatura que me faz viajar por essas memórias, recordar minha infância e me faz beber a água “na concha das mãos”, como Mario Quintana dizia.
O meu medo é de que, além de perder os quintais das casinhas da minha vó, eu perca os quintais da literatura. O que vão escrever os escritores e escritoras que não conheceram essa natureza? Quais serão seus cenários, senão os concretos, as ruas, o cimento, as solidões separadas pelos muros altos das casas e dos prédios das cidades?
Aprendi na escola, nas aulas de português, sobre o bucolismo. Odiei estudar literatura assim, tendo que aprender uma palavra tão difícil para definir os textos que falavam — com amor e saudade — da natureza.
E agora estou aqui, todo bucólico, escrevendo sobre a falta que faz essa natureza. Sofrendo pelas próximas gerações que buscarão os livros para refrescarem-se, mas terão que se contentar com o ar quente e seco provocado pelo desmatamento literário.
Adorei 🌻🪴🌿🥰