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Lucão

Obrigado, Pessoa!



Às vezes me sento aqui de frente ao computador para escrever uma crônica e me sinto um palestrante falando para uma multidão, para um povo que não conheço, mas que decidiu me ouvir. E o que é mais entranho e maravilhoso nessa cena é que essa multidão está me ouvindo falar de coisas que podem ser invenção ou não. Só eu sei.


Porque escrever literatura não é uma atividade limitada ao campo biográfico. Pelo contrário, é uma atividade ilimitada do campo invenciográfico. Quem escreve inventa. É claro que essas invenções não surgem do nada. Surgem, sim, de si mesmo, de quem escreve. Por isso, também é verdade que escrever literatura é uma atividade que principia no campo ensimesmético. Ou seja, em si mesmo.


No entanto, há vezes em que me esqueço do mundo e sinto-me conversando comigo, sozinho, como nesta crônica aqui. Possivelmente, esses textos sejam, unicamente, tentativas de me descobrir um pouco mais.


Não tenho dúvidas que algumas histórias, quando jogadas ao mundo, são para externar nossas ideias, espalhar um acontecimento, dividir um conto. Mas creio que a maioria dos textos que escritores e escritoras compõem seja uma conversa para dentro, uma tentativa de convencer-se ou até de converter-se através das próprias palavras.


É muito difícil aplicar as próprias palavras na vida, pois as palavras são maiores que a vida, têm possibilidades que não temos, podem percorrer caminhos que dificilmente poderíamos seguir. A vida real é mais estreita.


É isso que me faz amar a palavra: a possibilidade de criar outras vidas; e de fazer as pessoas pensarem, inclusive sobre mim. Adoro quando as pessoas me imaginam através dos meus textos, me romantizam ou me banalizam, me tomam como um coitado quando tiro um sarro comigo ou como um príncipe quando falo de amor. É maravilhoso esse poder que a palavra tem.


Por exemplo, quando escrevi o meu romance Amores ao Sol, apesar de ser uma história inspirada em um acontecimento real, ela, de fato, não aconteceu comigo. Ao menos, não daquele jeito, com aquela sequência e aqueles personagens. Eu não sou o Luca do livro. Mas duas coisas maravilhosas acontecem com esse livro quanto mais ele existe: as pessoas acreditam que o Luca sou eu; e eu também, quanto mais as pessoas me leem, já não sei muito bem o que é ficção e o que é realidade na história.


A escrita tem isso, de nos confundir. Como eu já disse, adoro ser confundido pelos meus leitores. É um elogio quando as pessoas se convencem de que eu, o autor, vivi a história como ela está escrita. É tudo que nós, escritores e escritoras, queremos: convencer nossos leitores.


Hoje tenho bastante dúvida do que devo dizer aos meus leitores quando me mandam mensagens perguntando sobre o livro, se a história do Caminho é real ou se eu sou o Luca do Amores ao Sol. Tenho dúvidas pois não quero mentir, mas também não quero acabar com a festa.


Afinal, não é isso a coisa mais bonita? Que os leitores vivam as histórias e sintam as dores e amem os amores dos livros? Mas é que, para isso acontecer, eu preciso assumir dores que não são minhas e receber méritos que também não são. Me sinto um fingidor.


Oh, Pessoa! Eu te entendo tanto agora...

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