*Crônica publicada originalmente no jornal O Popular
Não é a passagem dos anos que amadurece as pessoas. Uma pessoa mais velha não é, necessariamente, uma pessoa amadurecida. Da mesma forma, uma pessoa mais nova não é, consequentemente, imatura.
Para amadurecer é preciso bem mais que uns anos nas costas. É preciso bem mais que o próprio saber para uma pessoa maturar-se, equilibrar-se ou ajuizar-se na vida. Para amadurecer, infelizmente (e eu digo com a tristeza de um neto que sabe o que é perder os avós), é preciso perder os avós. Nós só nos tornamos de fato maduros quando os nossos avós vão embora. E eu também digo isso com a felicidade de quem ainda tem uma avó, a Dona Nininha.
São opostas as vidas de quem tem e de quem já perdeu seus velhinhos. Quem tem, pouco sabe o que é, aos domingos, almoçar em outro lugar que não seja na casa da vó. É que existe uma lei, redigida com muito afeto, que enquanto os avós existirem é em suas casas que almoçaremos aos domingos.
Do contrário, quem já não tem seus avós descobre do jeito mais duro que os domingos sem eles nem deviam chamar mais domingo. São segundas ou sábados que se repetem… não são mais domingos. Descobre que as outras comidas não passam nem perto do almoço da vó, que tempera a cozinha com aquela risada gostosa. E descobre também que não é só da comida que seus netos gostam. É da risada da vó, do palpite do vô sobre a rodada do futebol… Descobre que a casa dos velhinhos é também a casa do chamego. E que é por isso que sempre quer voltar, porque gosta de ser chamegado. Só quando a gente perde os avós que descobre que a casa do vô e da vó, na verdade, é a casa dos netos.
Depois que eles se vão, amadurecemos de verdade porque temos que viver sem isso tudo. É quando precisamos nos virar, procurar outro lugar pra almoçar aos domingos, viver sem chamego, sem as histórias que eles nos contam, sem aquelas risadas. A vida sem os avós é mais dura. E amadurecer é isso, reconhecer as durezas da vida sem eles.
Ainda bem que ainda tenho a Nininha… o tempo não passa pra vó, sempre com a mesma risada, ouvindo as histórias, fazendo chamego e vivendo bem mais do que nós. É artista, pinta, borda, fofoca, viaja com as amigas… resolve os problemas da família (do seu jeito). Não fica doente. No máximo, machuca. E de tanto não ficar doente, faz do machucado doença, só pra parecer que envelheceu. Não envelhece.
Suspeito que os anjos já tenham tentado levar a vozinha de nós. Mas a Dona Nininha, que besta não é, não se arreda fácil: “Ocês que sabe…”. E a vó vai provocando: “E o almoço de domingo, mé que fica?”. E os anjos vão ressabiando. “E os netos? Quem vai cuidá?”, fala envergando as sobrancelhas. E vai enrolando: “E as roupas do varal? Quem vai tirá?”, “E as brigas da família, mé que fica?”, enquanto os anjos vão se amiudando com a destreza da vó. “Ocês que sabe” pra cá, “Ocês que sabe” pra lá, até que os anjos vão embora outra vez.
E enquanto a Dona Clariscinda do Amor Divino vai vivendo, nós, os netos, vamos deixando pra amadurecer depois… bem depois.
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