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Lucão

Pega ladrão!

Quando eu era pequeno, morria de medo de ser assaltado. E, por “azar”, fui duas vezes.

Na primeira, eu tinha doze anos. Meu pai, jornalista, cobria os esportes, era comentarista de jogo nas transmissões dos campeonatos de futebol. Eu adorava acompanhá-lo pelos estádios. Viajei com ele pelo interior do estado algumas vezes. E quando os jogos eram na nossa cidade, eu sempre ia.

Foi num dia de jogo na minha cidade que fui assaltado pela primeira vez. Meu pai chegava cedo ao estádio para se preparar pro trabalho. Eu chegava sozinho mais tarde, minutos antes do jogo. Morava perto do campo, caminhava bem pouco, meu pai me esperava nas catracas, subíamos para a cabine e, enquanto ele trabalhava, eu comia amendoins.

Foi antes de subir, na esquina do estádio, sem ninguém por perto. O assaltante não me contou que era um assalto, voou sobre a minha cabeça, pegou meu boné do Corinthians e correu. Eu caí, tropecei no meu chinelo de dedo, que arrebentou e me deixou descalço. Não tive coragem de gritar “pega ladrão!”. Me ergui pra chegar até a porta do estádio onde ia encontrar com meu pai. Quando o vi, chorei de vergonha e medo. Descalço, abracei o velho, que ria. “Foi só um boné”, ele dizia. Subi pra cabine e comi todo o amendoim que pude.

A segunda vez foi na capital, pouco tempo depois, quando nos mudamos com a mãe pra Goiânia. Morávamos no centro da cidade, próximos da escola e de onde a mãe trabalhava. Tinha entre 13 e 14 anos, estudava pela manhã e a tarde ajudava a mãe no escritório. Num intervalo do dia, subi a rua do centro atrás de uma papelaria. Precisava comprar lapiseiras. Andei, parei nas esquinas tentando encontrar uma loja, não pensei no perigo, não acreditava que um raio poderia cair duas vezes na mesma cabeça. Caiu.

Foi na calçada. Um ciclista me fechou, pediu pra passar tudo que eu tinha, passei as lapiseiras que havia acabado de comprar e mais nada. O que mais eu teria? Foi aí que me pediu a camisa. Tirei-a do corpo e passei. Ele montou na bicicleta e sumiu. Morri de vergonha, magrelo e sem roupa, caminhando no centro, indefeso… Tive medo de gritar “pega ladrão”. Segui de volta em silêncio. Cheguei no escritório, passei pela recepção e fui chorar lá nos fundos. Contei pra minha mãe sobre o assalto e pedi pra voltar pra terrinha… Me desesperei outra vez. Eu estava com medo.

Depois eu cresci, me acostumei a vigiar os lugares que ia, a não ir a qualquer endereço, a não carregar objetos de valor, não dar “bandeira” pra ladrão. Depois aprendi sobre política. Passei a entender as questões sociais, as raízes. E percebi que, na verdade, nunca tinha sido assaltado.

Nos roubam antes de sermos “roubados” nas ruas. Primeiro, o voto. Depois, a esperança. Depois começam a pegar o nosso dinheiro na nossa cara, roubam a saúde, a escola, a merenda, a ponte. E a gente não faz muito. Chama de ladrão o povo que morre de fome na rua. E chama de político o povo que mata a gente de fome.

Fiquei com vergonha do medo que tive das ruas. E dessa vez decidi que, ao invés de chorar, vou soltar o meu grito nessa coluna:

pega ladrão!

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