Poema não fala. Poema nem diz. Quem disse que o poema fala não foi um poeta, nem tampouco um poema. Foi alguém, que um dia escutou que um certo poema falava sobre alguma coisa. Mas é pura fofoca. Que ninguém nunca viu um poema falar.
Já as coisas que habitam um poema, essas têm vozes altíssimas. Por exemplo, as coisas que vivem no poema do Manoel de Barros, elas falam e escutam: “Quando as aves falam com as pedras e as rãs com as águas – é de poesia que estão falando.”.
Dentro do poema, coisas que não falam ganham voz. Coisas das mais comuns às mais absurdas: “Quando menino encompridava rios. Andava devagar e escuro – meio formatado em silêncio. Queria ser a voz em que uma pedra fale. Paisagens vadiavam no seu olho. Seus cantos eram cheios de nascentes. Pregava-se nas coisas quanto aromas.”. Esse poema de Manoel de Barros não fala sobre nada, mas as coisas… estão gritando dentro do poema. Elas são mais que coisas. São coisa alguma.
Outro problema do engano de achar que o poema fala é que quando ele fala, quem ganha a desonra é o poeta. Mas o poeta não cabe dentro da casa-poema que faz. O poema é uma casa pequena, para as coisas miúdas, que a gente mal consegue ver ou ouvir, como o vento de Fernando Pessoa: “Às vezes ouço passar o vento; e só de ouvir o vento passar, vale a pena ter nascido.”
Quando o amor, dentro de um poema, fala, as pessoas logo pensam que a voz é do poeta. Mas é o amor que alucina, não o poeta. Como escritor de poesias, já fui condenado a penas severas. Uma vez me chamaram de romântico e eu envelheci cinco décadas nessa cadeia.
Matilde Campilho, a jovem escritora portuguesa, fala que “O poema não salva uma vida, mas salva um minuto.”. É o tempo que a gente precisa para ler um poema, flutuar e depois voltar para o chão. Um poema não pode carregar o peso de ensinar a viver (ou salvar uma vida). Ele é esse intervalo de um minuto entre a vida de antes e a vida que segue.
Algumas religiões acreditam que, às vezes, o espírito de uma pessoa pode sair e voltar do seu corpo em segundos, como se a pessoa tivesse morrido, ou vivido uma morte. Mas as religiões não explicam que isso acontece quando a pessoa, em decorrência de um poema, flutua.
O poema não fala. E as vozes que as palavras têm dentro de um poema ninguém sabe dizer como soam. É mais fácil uma pedra falar num poema, que um poema dizer algo que seja concreto. O poema não fala. Ele abstrai, fantasia, mistifica, exagera, mente, etc. etc., mas não fala. Nem o poema concreto é sensato para falar.
O poema não fala. Mente. E é por isso que não se pode acreditar no que um poeta escreve, nem diz. Tudo que ele fala ou escreve é poesia. Há pouco descobri como os poetas fazem para serem poetas também quando falam. Eles decoram seus versos e de outros poetas geniais para usá-los como respostas das perguntas mais difíceis. E mesmo que os versos não respondam às perguntas, respondem ao minuto. Isso já basta. E as pessoas agradecem, dão por satisfeitas, mas não reparam que elas foram enganadas por um poema.
Poema não fala. E quando é forçado a falar, finge de pedra.
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