É isso. A poesia são palavras que tropeçam nas mãos dos poetas… e vão girando até caírem lentamente num papel, já todas prontas, vestidas de versos.
A poesia é o outono das palavras.
Ao contrário dos outros ofícios que trabalham com a escrita, o poeta é o escritor com a paciência de esperar… mas não confunda paciência com preguiça. Essa espera é fruto da malícia de quem sabe que poesia é o encontro das palavras, e que esse encontro leva tempo, não tem pressa pra acontecer e quase nunca acontece de repente.
E o poeta é o escritor que sabe que a espera é importante, para que as palavras cheguem e se acomodem. É por isso que o poeta é visto como um tipo manso, preguiçoso… mas não é. É um exímio conhecedor do tempo das palavras. Afinal, pra que a pressa se poesia é para ser apreciada devagar?
E o poeta espera… e as palavras ora demoram, ora nem tanto. Porque o tempo só depende da vontade das palavras de chegar. E a única certeza que o poeta tem é que um dia chegam.
Tem vezes que as palavras vêm aos montes, como se fossem boiadas, atropelando tudo, atravessando rios… cenas das mais bonitas. E o poeta observa as palavras, como um boiadeiro no meio da boiada à espera do boi fugido. O poeta espera o vacilo, o erro, o descuido, o gado travesso… a palavra foragida. São elas que o poeta caça, e vai laçando uma a uma, até encher o chão de poesia. E a boiada de palavras segue. E a poesia fica.
Tem vezes que as palavras não vêm. E o que resta ao poeta é esperar. E ele espera, pois sabe que não adianta procurar pelas palavras quando elas não querem vir. E o poeta espera, aproveita a sombra de uma árvore bem verde no meio do campo seco, lê um livro, e espera tanto que até cochila… às vezes fica ali por dias, até que escuta de longe a boiada chegar. Lá vem chegando a poesia.
A espera é bonita. E o poeta que sabe esperar a travessia das palavras, pega os versos mais sublimes. Quantos bois tiveram que passar para que Mário Quintana escrevesse
“Eu agora — que desfecho! Já nem penso mais em ti… Mas será que nunca deixo De lembrar que te esqueci?”
A poesia tem isso, de ser desimportante. Ninguém aprende uma lição com esses versos de Quintana. São pura contemplação. Quando dizem que a poesia é ingênua, como coisas que crianças fazem, querem dizer bem isso, que a poesia não precisa ser importante. A poesia dá desimportância aos fatos, para nos tirar o riso das coisas mais bobas. Poesia não tem lição de moral. A poesia é imoral, de tão boba e bela que pode ser, como esses versos de Paulo Leminski:
“A palmeira estremece Palmas pra ela Que ela merece.”
E palmas para os poetas que esperam com paciência os tropeços das palavras. São como pedras no caminho. Pedras notáveis, como as de Drummond:
“…Nunca me esquecerei desse acontecimento Na vida de minhas retinas tão fatigadas. Nunca me esquecerei que no meio do caminho Tinha uma pedra Tinha uma pedra no meio do caminho No meio do caminho tinha uma pedra.”
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