Faz quatro anos que estou tentando deixar o cabelo crescer. Faz quatro anos que ele só diminui.
Começou na pandemia, quando fiquei dois anos sem sair de casa. Então tive que aprender a cuidar do meu próprio cabelo. No começo, errei bastante. Cheguei a rapar a cabeça uma vez para consertar um estrago. Mas, com o tempo, o cabelo começou a crescer como eu queria.
Então a pandemia passou, pude voltar à rotina, sair, encontrar gente. Foi quando um amigo me apresentou à Gil, uma cabeleireira que passou a cuidar dos meus cabelos aqui em casa. Ela veio uma vez, depois outra... Gostei do serviço. O cabelo voltou a ficar bonito.
Gil é boa e ligeira. Chega rápido, coloca um grande plástico sobre o chão, ajeita minha cadeira sobre o plástico, corta um pouco aqui, um pouco ali, rapidamente termina e, num instante, vai embora. Gosto da Gil.
Acontece que um dia a Gil veio mais cedo, antes mesmo do café. E quando terminou, achei que ainda faltava um acabamento. Mas me faltou coragem e força para dizer a ela o que eu achava. Deixei a Gil ir embora, depois fui ao banheiro ajeitar eu mesmo as pontas que restaram. Eram só a pontinhas... Mas cortei demais.
Passei um tempo com vergonha de chamar a Gil novamente. E neste mês, quando o cabelo cresceu um pouco mais, antes de pensar em chamá-la, passei em frente a um salão que fica ao lado de casa, e resolvi entrar. Eram só as pontinhas, eu pensava.
Mostrei fotos, referências, disse mais de uma vez ao rapaz que me recebeu na porta que eu gostaria que cortasse só as pontas, bem pontinhas mesmo. “Eu gosto do cabelo grande e volumoso”, eu repetia devagar para ele ouvir claramente. Ele disse que entendeu. Mas quando a tesoura triscou na minha cabeça pela primeira vez, vi o tufo de cabelo que ele havia cortado.
Era a minha maior derrota, eu pensava. Não havia mais nada a fazer, mais ninguém para entender o meu pedido. Ninguém.
Ameacei ir para casa e terminar de rapar meu cabelo com a máquina. Mas voltei atrás e, dessa vez, me permiti demonstrar meu desgosto. Pedi para que chamasse a gerente. Reclamei para a senhora, que me ouviu atentamente e se desculpou. Ela disse que tinha escutado meu pedido para que tirasse só as pontas, que não sabia o que havia acontecido com o seu funcionário. Prometeu que ia tentar consertar, mas o tufo já estava no chão. Não havia milagre. No fim, seria o cabelo bem curto outra vez.
Saí do salão com o cabelo rapado. Não me cobraram nada, é claro, e me pediram para voltar no mês seguinte. Disseram que sabiam exatamente o que eu queria e blá blá blá...
Fui para casa de cabeça baixa. Passei a semana me achando feio. Não conseguia me ver direito no espelho. Cheguei a pensar que seria impossível ter os meus cabelos grandes de novo...
Até que, no dia de escrever esta crônica, notei que o cabelo já está maior, mais volumoso. Ele voltou a me dar esperança. A gostosa esperança que me deixa sonhar com o meu cabelo maior.
E agora, nas últimas linhas dessa história, percebi que esta crônica não é só sobre os meus fios de cabelo. Mas também sobre os meus últimos amores.
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