Sempre fui mais alto do que meu irmão gêmeo. Na juventude, o que nos distinguia eram dois centímetros.
Sempre fui mais pesado que o Henrique. Dois quilos. E também nasci primeiro. Dois minutos. Era padrão dizer isso quando nos perguntavam quais eram nossas diferenças. Dois centímetros, dois quilos, dois minutos.
Minha mãe conta a história do nosso parto e eu a repito para me exibir como um gêmeo. Somos prematuros de sete meses. Ninguém sabia dos gêmeos até o dia da contração. Éramos um só na barriga da mãe. E isso é verdade: um só zigoto, que na véspera se dividiu em duas partes iguais. Foi na mesa do parto que o médico disse que havia outra parte. Então meu pai saiu correndo do hospital para comprar mais um berço, uma mamadeira, fraldas e uma dupla de padrinhos.
Não havia o nome Lucão, ou Lucas. Só Henrique. Coisa que eu não entendo bem, já que nasci primeiro. Imagino que tenhamos mudado de nome por muitos anos até nos fixarmos em um só. Isso é ter um irmão gêmeo: renunciar ao nome. Eu mesmo me chamo Lucas-Henrique. E ele, Henrique-Lucas. Atendemos pelos dois a vida toda.
Crescemos ouvindo as mesmas piadas sobre gêmeos. E as mesmas confusões. Mesmo que digam que não nos parecemos tanto, as pessoas sempre se confundem. Dizem isso quando estamos sozinhos. Juntos, “como vocês se parecem!”. “Mas eu não me confundo”, alguns insistem, até se confundirem. Não é fácil para vocês.
“Vocês já trocaram de namoradas?”, é a maior curiosidade que as pessoas têm sobre gêmeos. Nunca trocamos. Mas talvez elas já tenham trocado de nós. Sei que o Henrique já beijou uma menina que eu havia beijado num carnaval passado, mas por pressa dela, que não deixou que ele se explicasse. Ela chegou beijando e... Foi o que ele me disse. Tudo bem, era carnaval.
Eu já fiz prova para o Henrique quando ele quebrou o braço. E nós dois tiramos zero. Quando ele passou no vestibular para Educação Física, eu me senti aprovado no curso que nós dois queríamos. Me formei em Comunicação na mesma Universidade em que ele se formou como educador. No Campus, as pessoas se confundiam o tempo todo. Certa vez, meu gêmeo entrou no ônibus que circulava internamente no Campus e tomou vários tapas nas costas. Era um amigo meu, que tinha essa mania de me estapear pelas costas, sem saber que eu tinha um gêmeo. Henrique desceu na minha área só para me contar sobre os tapas e pedir para que eu falasse com meu amigo para parar de nos bater.
O Henrique tem mais barba do que eu. Por enquanto. Eu tenho o cabelo mais comprido. Por enquanto. Não se apegue às marcas efêmeras, é minha dica.
Por ora, eu sou o mais baixo, um centímetro; meu cabelo é mais bagunçado; Henrique é mais pesado, dez quilos; usa roupas mais alinhadas, mas não é raro saírmos iguais; temos a língua presa; e a boca frouxa; uma pinta de um lado, uma mancha de outro; nós dois temos tatuagens pelo corpo; de cabelos molhados somos um só; também gostamos das confusões.
Por fim, eu sou o Lucas, uso piercing no nariz e tenho brinco nas duas orelhas. Mas ainda tenho dúvidas.
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