Ontem eu tinha uma história diferente para contar. Seria sobre os meus últimos sonhos, e como resolvi compartilhá-los com a terapeuta. Mas me aconteceu outra história, rapidinha.
Já era noite, eu estava na sala me preparando para um filme, quando escutei um burburinho. Era uma conversa, com risos e gritos. E como eu sou fofoqueiro, quis saber o que era.
Era a nova vizinha do prédio da frente. Como já sabem, o meu prédio fica praticamente colado ao da frente. Tudo que acontece de lá, vejo daqui, e até ouço os ruídos. Pois era a vizinha, que havia se mudado há pouco para o apartamento que fica levemente abaixo da altura da minha sala. Estava ela e um homem sentados na varanda conversando.
Eu estava no meu sofá, e dava para assistir a tudo dali. Liguei a tevê, mas abaixei o volume para tentar ouvi-los. E foi nesse instante, quando olhei um segundo para o televisor, que a moça começou a fazer carinho no braço do rapaz.
Num outro descuido meu, no instante em que eu ainda pensava na crônica sobre os sonhos, eles sumiram da varanda. Quando notei, já estavam de pé na cozinha, de frente para a geladeira, pegando bebidas. Ela enxaguou uma lata de cerveja na torneira da pia, secou-a na toalha de pano do fogão e entregou-a ao rapaz. Depois pegou uma fruta no refrigerador, cortou pedaços sobre a bancada, misturou com gelos, colocou em um copo e preparou um drink. Tudo acontecia rapidinho.
Foi nesse instante que ele a atacou. Não como um tigre ataca uma presa. Mas como um homem tímido tenta dar um beijo em uma mulher desprevenida. Um beijo torto. Mas ainda um beijo.
Então eles se beijaram. E continuaram se beijando por alguns segundos. As mãos do rapaz tinham pressa, percorriam todo o corpo da mulher. Não parecia fazer com gosto, mas com a ansiedade de um costureiro a tirar medidas de uma cliente, enquanto as mãos da cliente se concentravam no pescoço do alfaiate.
Até que, num segundo, as luzes da sala se apagaram. Depois, a janela barulhenta do quarto foi fechada pela mulher. E os dois sumiram.
Este então seria o fim da história. Bem rápido. Mas, fazendo jus à velocidade de tudo, menos de um minuto depois, quando eu já estava para retornar os olhos à tevê, um interfone tocou. Era a primeira vez que eu ouvia o interfone do outro lado tocar.
Em seguida, a luz da sala foi acesa novamente. E os dois apareceram pelados na esquina entre o quarto e a sala. Ambos tentavam esconder seus corpos de nós, vizinho e leitores, e de si mesmos. Ficaram atrás da pilastra que divide os dois cômodos. Foi ele que esticou os braços para pegar o interfone, enquanto ela segurava sua cintura impedindo-o que caísse na sala. Ele atendeu ao telefone e, em seguida, os dois sumiram outra vez.
Eu cronometrei. Ela levou dezessete segundos para reaparecer vestida. Depois desceu para buscar a comida. Quando voltou, o rapaz já estava de roupa na sala. Então se sentaram no sofá, abriram a caixa de pizza e ficaram por muito tempo ali, comendo e conversando.
Aos poucos, fui me deitando no meu sofá, com pouca esperança de algum acontecimento repentino. Cochilei.
E quando acordei, o apartamento da frente estava vazio.
Bom, foi isso que contei à terapeuta.
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