Domingo, fui me deitar no horário de costume, próximo de uma da manhã. Nessa semana, eu estava dormindo na sala, enquanto minha mãe se aproveitava do meu quarto na sua rápida passagem por São Paulo.
Estiquei o colchonete perto da TV e me acomodei, não sem antes perceber, pela janela da varanda, uma conversa acalorada do casal de vizinhos que vive no apartamento de frente ao meu. De tão próximos os prédios, da minha sala dava para ver em detalhes a sala do outro apartamento. Eram dois jovens que conversavam e gesticulavam. Antes de fechar os olhos, tive a impressão de vê-los rindo e pensei que fosse sobre isso a conversa, uma graça que dividam.
No meio da noite — também como sempre faço, pois tenho o sono leve — despertei. Olhei ao redor, me movimentei sobre o colchonete para me acomodar, e antes de fechar os olhos vi que as luzes do apartamento vizinho estavam acesas. Também vi alguns vultos, uma espécie de movimento repetitivo de um corpo. Fiquei curioso, olhei no relógio, marcava três da manhã. Tive dúvida se eu estava dormindo ou acordado, então respirei, abri bem os olhos e me virei outra vez para a varanda do vizinho. Sim, tinha alguém se mexendo. Na verdade, uma mulher dançava sozinha, como se estivesse numa pista de dança.
Achei estranho. “A essa hora da madrugada de domingo?” Então me acomodei melhor sobre o colchonete, empilhei dois travesseiros para escorar a cabeça e ver com clareza. Ela estava lá, a mulher dançando, e dançando bem. Era sensual, jogava a bunda para um lado, depois para o outro, os braços para o lado contrário, a cintura controlando tudo. Tinha ritmo, tinha a cintura frouxa e também a sensualidade para me deixar desperto às três da manhã.
Dançou uma sequência de três músicas, depois parou para descansar, ficou de pé em frente à bancada da cozinha, mexeu num computador ou celular, escolheu a próxima música... Depois pegou um copo sobre a bancada e bebeu um gole. Suspeitei que fosse uma bebida alcoólica. Tragou um cigarro.
Às três e meia, depois de dançar mais um pouco, esquentou comida no micro-ondas e comeu na varanda, sentada numa cadeira giratória de escritório. Vi que ela colocava uma garfada de comida na boca e depois enxugava o rosto, como se estivesse chorando. Reparei mais: ela estava chorando. Eu quis saber o motivo. Não soube, não pude ir perguntar. Talvez não devesse mesmo. Fiquei pensando sobre as fases da vida. Se fosse uma decepção amorosa, que ela sentisse tudo que um jovem da idade dela deve sentir para se descobrir, aprender sobre as emoções... Na desilusão amorosa se aprende muito sobre o ilusionismo do amor.
Apaguei, acordei às cinco da manhã, ela ainda estava na sala, com outra roupa, agora parecia um pijama. Bebeu uma água do filtro, apagou as luzes da sala e foi para o quarto, possivelmente dormir. Não a vi mais naquele dia. Acordei mais tarde pensando sobre o que tinha acontecido.
À noite, quando desliguei as luzes de casa, olhei para a sala dos vizinhos. Não tinha ninguém. Aquele vazio me deixou tão triste. Espero que ela esteja bem.
Ou será que foi sonho?
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