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Lucão

Sessão de terapia

Na semana passada, escrevi no grupo de whatsapp da família que estava com muita saudade, mais do que de costume. Disse que sentia um vazio grande no peito e que morar em São Paulo, longe de todos, não estava sendo fácil.


No outro dia descobri que o que eu sentia não era saudade, era Covid.


Uma amiga, que teve contato comigo alguns dias antes, me ligou para dizer que havia testado positivo. Corri à farmácia, comprei um autoteste e também confirmei a Covid. Aí entendi os sentimentos que passaram por mim.


Além dos sintomas leves, parecidos com as sinusites que costumo ter, senti tristeza. A energia baixa do corpo me deixou mal e confuso. Quando testei, eu já não estava mais com sintomas, não corria mais risco e entendi os sentimentos que me atravessaram. Mandei no grupo da família que queria retirar a saudade. Acharam graça.


É claro que sinto saudade, mas foi mais do que isso. Foi uma confusão de pensamentos e emoções. Não estou triste em São Paulo. Minha família esteve comigo há pouco tempo. Estamos com a saudade, digamos, em dia. O que eu senti foi o corpo sendo chacoalhado de uma forma que não eu havia experimentado ainda.


Não é uma gripezinha. Essa doença matou muita gente. Ela não carrega só a carga viral, mas a carga histórica. Ao menos para mim. Ainda carrega o que vivi nessa quarentena sem fim. Passei dois anos confinado no meu apartamento. Na verdade, em três apartamentos diferentes. Nesse período morei sozinho em Goiânia, me mudei para São Paulo para morar com a minha ex-parceira e, depois que nos separamos, passei a morar sozinho em São Paulo. Muitas emoções para lidar. E eu lidei.


Quando o vírus chegou no meu corpo, foi como se tivesse acendido todas as luzes que eu já havia apagado, desse passado que foi difícil, do isolamento, das perdas, das saudades, dos amores... Minha sensação é que eu bati no fundo do poço das emoções. E que eu não tinha força para subir. Passei o dia assim, numa tristeza profunda.


No outro dia, melhor, eu ainda queria conversar com a minha terapeuta.


Estou escrevendo isso ainda um pouco confuso. Quando os sintomas comuns da Covid — como o nariz carregado, a coriza, a garganta arranhada — passaram, ficaram outros. Voltei a fazer exercício físico, mas o corpo está diferente. Não é só o cansaço, é a dor em lugares que eu não tinha dor. Parece que o corpo está todo inflamado. E isso inclui a cabeça.


Nesta semana, minha mãe ficou mal, mas não era Covid. Minha irmã também ficou mal e era. Meu irmão, que mora com minha irmã, não pegou. Meu outro irmão, professor de escola pública, está com receio de pegar de novo. Minha irmã caçula teve que lidar com sua mãe e padrasto com suspeitas de Covid. Era dengue. Estamos todos inflamados por esse assunto. Já são mais de dois anos falando disso todos os dias. Estou cansado.


Até este texto, lendo agora, me parece um pouco inflamado. Não é uma crônica. Está mais para um relato desorientado sobre como a Covid passou por mim. E só. Ou talvez ele seja a sessão terapêutica que eu queria ter feito no dia mais triste.


E então, terapeuta? O que você me diz?

1 Comment


A beleza da tristeza está na dor.

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