Levei quatro anos para entender o que fui fazer no Caminho de Compostela. Foi nesta última semana que tive o estalo que me deu compreensão sobre o motivo de caminhar mais de 1200km pelas terras ibéricas.
Mas antes de escrever sobre isso, deixa eu falar sobre uma angústia que estacionou por aqui ao pensar sobre o tempo.
Faz vinte anos que escrevo e posso dizer que hoje, aos 37, tenho um pouco mais de clareza sobre o que é a minha escrita. Ainda não é uma luz plena, mas uma lanterna que me ajuda a enxergar a caminhada. Também levei trinta e sete anos para ter uma ideia melhor sobre quem sou. Com terapia, uma mãe maravilhosa me estimulando a pensar sobre mim e interesse meu, hoje me vejo e me enxergo melhor.
E mesmo sabendo que esses anos ainda não foram suficientes para revelar por completo os mistérios da minha existência, as pessoas insistem em querer me convencer a tomar decisões imediatas. Cursos com fórmulas secretas salpicam meus aparelhos tecnológicos, dia e noite, com a promessa de me transformar em outra pessoa da noite para o dia. Picaretas!
Tenho cada dia mais pavor dessas pessoas que não respeitam o meu tempo, o meu ritmo e o meu corpo. “Descubra hoje na minha live...”, “Vou revelar o segredo da mente milionária...”, “Cadastre-se e mude sua vida” são algumas das doenças contemporâneas, as iscas que fisgam um povo cada dia mais frágil, carente e sem tempo para o amanhã.
Essa é a vida contemporânea, acelerada, sem tempo para as particularidades, as reflexões e o desfrute enquanto descobrimos sobre a nossa existência. Só há tempo para agir, tomar decisões precipitadas e viver frustrações atrás de frustrações. É o plantar e colher adaptado a um timelapse de 60 segundos, porque o tempo urge!
Isso não é esperteza. É picaretagem!
Como eu disse no começo do texto, levei quatro anos para entender o que fui fazer no Caminho de Compostela. Nesta semana encontrei a palavra que define minhas duas peregrinações: silêncio.
No primeiro ano não consegui alcançar o silêncio. E isso não é uma reclamação, é uma constatação. Foi uma jornada de muitas experiências, mas que me deixou com o desejo de voltar e tentar alcançá-lo.
E eu voltei no ano seguinte. Fiz um Caminho diferente. Andei muitos dias sozinho. Mesmo com amigos ao redor, nos encontros que fazíamos nas cidades, nos cafés e albergues, consegui caminhar só. Toquei o silêncio.
Acordava mais cedo que os outros peregrinos e saía para caminhar sozinho. No começo tive medo, algumas angústias, mas o desejo de estar em silêncio era maior do que outros desejos.
Consequentemente, meu corpo ficou no comando. Eu conseguia ouvi-lo dizer: “hoje vá mais devagar” e eu desacelerava; “hoje caminhe um pouco mais” e eu caminhava; “descanse” e eu parava na próxima cidade.
Meu caminho me ensinou que o silêncio é um instante de respeito consigo mesmo.
Não é à toa que adoro ficar só, pois adoro o que o meu silêncio me diz. Aprendo muito mais comigo, ao me ouvir, do que com os gritos de quem não me conhece e muito menos se ouve.
Também aprendo com o silêncio dos outros. Mas com o grito dos outros, desconfio. Desconfie!
Fazer silêncio é uma forma de guardar-se para shhhhh...
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