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Lucão

Skills de artista



Não posso ser artista.

 

Se coloco uma foto minha mais séria nas redes sociais, alguns leitores me mandam mensagens: “Vi uma foto sua agora, com cara de artista. Você está bem?”.

 

Isso também acontece em eventos sociais. Entre amigos e outras pessoas, numa conversa casual, alguém que eu não conheço se apresenta, a gente troca palavras, eu pergunto o que ela faz, ela me diz “Sou engenheira”, lhe dou os parabéns. Depois ela pergunta de volta o que eu faço, digo que sou escritor e ela faz uma cara de pena. “Meus pêsames”, eu leio nos olhos dela, e a conversa quase sempre míngua. Quando não acaba, recebo outra pergunta comum: “O que você faz além de escrever?”. Eu digo que faço só isso. Depois me arrependo e me corrijo dizendo que não é “só isso”, que o meu trabalho é intenso, que escrever é difícil. Mas a pessoa já entendeu errado a minha fala e, de tanta pena, se cala.

 

Eu também, em rodas de conversas, costumo dizer logo que eu moro em São Paulo, como se me redimisse. Como quem diz que mora em Nova Iorque para se vangloriar. É uma tentativa de provar que eu estou bem, já que eu consigo morar em São Paulo. Eu trabalho com o que eu amo, estudo bastante, escrevo o dia todo, pago em dia minhas contas, inclusive a de energia e do gás, que não param de subir. E agora, me lembrei que a água de São Paulo vai ser privatizada, então talvez eu me mude mesmo para Nova Iorque para economizar nas contas.

 

Para o meu pai, eu dizia que era artista quando queria passar um susto nele. Ele morria de medo de que eu assumisse minha profissão. Ele gostava dos artistas, inclusive até tinha amigos artistas. Mas um filho, não, aí já era demais! Artista bom era artista na caixinha do bluetooth, que ele ligava alto no quintal, e até chorava quando tocava “Espelhos” do João Nogueira. Mas um filho vivendo da escrita de livros, jamais! Então eu leio um dos meus poemas para ele, meu pai se emociona e diz: “Que coisa bonita! De quem é?”, eu digo que é do João Nogueira e ele se entusiasma, enquanto pede para repetir “Espelhos” mais uma vez.

 

Eu tenho lá minhas tristezas, que vez ou outra aparecem nos meus textos, nos poemas e prosas. Aliás, o poema mais longo que já escrevi também é o mais triste, feito quando o meu pai morreu, escrito dentro de um táxi, com as palavras que gotejavam dos meus olhos. Mas dizem que para ser artista é preciso ser triste por mais tempo do que o de uma corrida de táxi, ou de um poema.

 

Eu até tenho um livro de crônicas que se chama “Entre bailes e lutos”, numa tentativa de entrar para o clube de artistas tristes. Mas ainda não fui aceito, pois o livro é alegre também.

 

Então é isso. Não posso ser artista. Ainda me faltam o skills de artista, como dizem aqui em São Paulo. Ainda me falta a foto preto e branca com cara triste de artista; um desdém ao falar em público; uma roupa preta surrada; uma bituca de cigarro nas mãos; um discurso pessimista sobre a arte; um elogio extremamente apaixonado sobre o meu próprio trabalho; uma crítica afiada aos demais.

 

Enfim, não posso ser artista. E isso é a coisa mais triste do mundo...

 

Opa! Então talvez agora eu possa.

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