Sonho muito com girafas e com o meu pai.
Normalmente estou pendurado no pescoço do animal e meu corpo tem os traços de um desenho animado. Passo noites pendurado na girafa. Um desafio para quem gosta de interpretar sonhos.
Com o meu pai, ele aparece de um jeito diferente. Já tomei vinho com ele, enquanto em vida o pai só bebia cerveja e cachaça. Em outra noite ele me apareceu de terno e gravata, me deu conselhos sofisticados sobre como tocar minha vida e se foi. Na memória que tenho da vida do pai, ele não sabia combinar roupas e o que mais gostava de usar era bermuda colorida com camiseta gola polo listrada.
Sou formado em comunicação por conta dele, o pai era jornalista. Na infância, fui às tevês, rádios e estádios de futebol. Quando escolhi meu curso, fiz comunicação social e, por pouco, não me especializei em jornalismo. Escolhi propaganda porque o pai nunca teve sossego financeiro.
Quando comecei a trabalhar em agências e a criar as peças que passavam na tevê, o pai se orgulhou. Eu chegava em sua casa para uma visita de fim de semana, ele me chamava no escritório para me mostrar os materiais que estava criando para a rádio. Não eram tão bons, tinham alguma graça que mais se parecia com as piadas que ele contava quando bebia. Mas tinha a voz forte e bonita dele.
Na noite passada, sonhei que o pai me pedia ajuda para criar uma peça. Foi assim: ele estava dentro de uma limusine conversível imensa; tinha um caderno em mãos onde escrevia sem parar; precisava criar uma peça publicitária para o carro luxuoso em que estava; na outra ponta do carro, uma penca de gente, uma cena caótica, gritaria, ruídos; qual o diferencial do carro?, eu gritei; o quê?; qual o diferencial do carro?, gritei mais; era o som, o carro tinha um equipamento mais poderoso que alto falante de festival de música, ele berrou; então eu saí por um instante e voltei com uma ideia genial; pai, tive uma ideia genial, e o pai disse qual ideia genial?; é o seguinte, um estádio lotado de gente, no centro do campo, um palco, no palco, uma banda de rock, o plano aberto começa a fechar no vocalista, e depois fecha no rosto, e fecha mais até entrar na cabeça dele; na cabeça, o artista sonha com a hora de acabar o show para entrar na limusine e ouvir um som de verdade; não é genial?; o pai se agarra no meu pescoço e diz que é genial; ficamos eufóricos repetindo que é genial é genial é genial; eu acordo.
E digo para mim mesmo que é genial. No café, conto o sonho para a minha companheira e ela diz que é genial; no meio da manhã, compartilho no grupo de whatsapp da família e a família diz que é genial; à tarde, envio mensagem para o meu ex-chefe da última agência que trabalhei e ele diz que é genial; quer me contratar de novo; eu aceito, por um salário mais alto que o do meu pai, começo a trabalhar com propaganda até ter outra ideia genial; então no fim de semana eu corro para a casa do pai para dividir com ele a nova ideia, mas meu pai já não está; aí eu acordo e conto a história toda para a minha companheira.
Ela diz que é triste.
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