Sou ateu, mas teve um dia que chorei para pedir aos deuses e orixás que o meu pai coubesse em algum lugar desse mundo.
Quando o meu pai morreu, eu estava longe de casa, a mais de 1400 km de distância. Para voltar a tempo ao velório, tive que pegar estrada em um táxi, por quatro horas, até o aeroporto mais próximo.
“Seu pai vai ocupar o céu inteiro”, foi o que o meu amigo me disse antes de eu entrar no táxi. E respondi: “Meu pai não vai caber no céu”. Uma frase que me obrigou a construir um templo para que o meu pai pudesse ocupar. Um templo-poema.
Choveu durante todo o trajeto. E pelas 4 horas de viagem, eu chorei e escrevi um poema que virou um pedido para que o meu pai coubesse. Fiz um poema para o meu pai caber na poesia.
Foi o poema mais difícil que escrevi. Não me lembro dos outros detalhes daquela viagem de táxi, mas me lembro que choveu durante as 4 horas, enquanto eu, com o celular nas mãos, escrevia linha por linha do poema. Fiz uma espécie de oração ou ladainha, que reforçava o pedido para que o meu pai coubesse, um poema com todo meu amor e minhas histórias com o velho. Também virou o poema mais agridoce que já escrevi, que recorda o tamanho da vida do meu pai e prova que ele não ia mesmo caber no céu.
Fiz um poema para o meu pai caber, mas que na verdade era um poema para que o meu choro, naquelas 4 horas dentro do táxi, coubesse.
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Depois que o meu pai se foi, já escrevi textos alegres e tristes sobre sua vida aqui comigo: dos momentos bons que partilhamos em sua casa, dos amores que ele compartilhou com a gente, do coração imenso que ele tinha para que todos ao redor coubessem em sua vida; e também das suas teimosias em não se cuidar, em tratar sua saúde como uma criança de 5 anos faria, de não se importar com as veias entupidas que levavam o sangue ao coração imenso e, por isso, tão precisado daquele líquido vermelho.
Já escrevi sobre a saudade também, de como foi difícil, depois da sua morte, fazer uma viagem qualquer. Sempre que entrava em um avião e passava das primeiras nuvens, me sentia entrando na nova casa do pai, e o saudava escrevendo algo que sentia, um choro que escorria, uma memória. Eram momentos agridoces, de recordações e muita saudade do meu pai.
Mas teve uma crônica que não agradou o melhor amigo do velho. Lembro do que o amigo me disse, que o pai merecia mais carinho, que ele havia sido grande demais para aquela crônica, ou algo assim. Tudo que eu já sabia, o meu amigo tentou me explicar: o meu pai era grande demais para caber.
Durante a vida, enquanto fui crescendo, tive a chance de compreender melhor quem era o meu pai: um cara comum, que errava e acertava, como as pessoas comuns, e que amava demais. Saber sobre o meu pai assim, com menos fantasia e mais franqueza, nunca afetou o meu amor por ele. Afetou o meu amor por mim, pois ao entender melhor o meu pai, eu me entendia melhor também, entendia melhor a vida e, consequentemente, me relacionava melhor com meu velho. Foi por entender meu pai, que passei a amá-lo por tudo, e não só pela parte que eu sonhava que o velho fosse.
Talvez o meu amigo não tenha entendido minha crônica por isso, pois não era uma crônica qualquer sobre o pai. Uma crônica qualquer sobre o pai, facilmente seria uma crônica de amor, pois ele era isso para todos: amor. Mas era uma crônica minha sobre o meu pai, um texto que só eu poderia escrever.
Uma crônica íntima sobre um cara que eu amava demais, e que no dia em que morreu, fez chover por 4 horas em mim.
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