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Lucão

Um bilhete para te ver de novo


Foi um susto quando li a carta do pai pelo celular, em uma mensagem enviada pela mãe.


Olhem o que eu encontrei aqui, dentro de um livro. Uma carta do seu pai, escrita à mão, há quase trinta anos... Ela quase foi embora com o livro que eu ia doar, disse minha mãe pela mensagem. E nós todos, os filhos, cada um do seu canto, abrimos a imagem para ler a carta.


Eu estava no meio de uma escrita quando parei para ler a mensagem e me assustei. É que estou escrevendo uma história em que um dos personagens é um pai. Não como o que eu tinha, mas um pai autoritário e violento.


A carta era exatamente o contrário, de um pai afetuoso e cheio de saudades.


Foi um susto quando li a carta, pois me lembrei de quem era o meu pai. Depois, um alívio, como se um monstro tivesse ido embora de mim. Eu estava tão mergulhado na história que escrevia, que havia me esquecido de como era o meu pai. Era um cara que gostava do abraço, que falava coisas engraçadas e usava palavras carinhosas com os filhos. Meu pai me chamava de filhão, e a gente o chamava de paizão. Talvez hoje não seria mais assim, porque o paizão como se usa hoje a gente sabe que não existe. Existe o pai presente e o pai ausente. O meu era o que deixava saudade quando não estava.


A carta era sobre essa parte, a saudade.


Quando eu tinha dez anos de idade, com os pais já separados, meu pai recebeu uma proposta para trabalhar em outro Estado. Era uma boa oportunidade, cheia de promessas financeiras, numa posição importante para um jornalista. O pai era um jornalista dos bons e merecia as promessas. Então ele foi trabalhar em outro Estado. Mas não foi sozinho, foi com a saudade da gente. Disso eu me lembro bem, da dificuldade do pai em nos deixar. Da sua voz dizendo coisas como eu não vou ficar por muito tempo longe, eu volto logo, eu volto sempre, nas férias vocês vão ficar comigo, eu vou morrer de saudade...


Não foi um tempo tão longo, mas foi um tempo que demorou. Pois onde há saudade, o tempo castiga.

Foi no meio desse tempo que ele enviou essa carta. Um registro importante para me lembrar de como era o meu pai.


Mãe, foi mesmo o pai que escreveu essa carta?, perguntei brincando, quando notei certas semelhanças das letras dos dois. Mãe, foi você que obrigou o pai a escrevê-la, não foi? Outro irmão brincou de lá. Mas a gente sabia que era uma carta dele, com um tom que começava amoroso e terminava choroso demais...

Era uma prosa bem articulada, com palavras simples e notícias gerais da vida que estava construindo. Dizia que a casa em que ele vivia era grande e que caberia a gente quando fosse morar com ele.


“A turma está pensando em alugar um telefone, assim fica mais fácil de falar com vocês. Beijão em cada um e muitos abraços apertados. E obedeçam a mamãe! Com todo amor do mundo, Eurípedes, o paizão”.


Não deu tempo de alugar o telefone. A promessa do dinheiro não se cumpriu e o pai voltou logo. Ficamos mais próximos por muitos anos. Até que ele foi embora para mais longe, para um estado que a gente nem sabe se existe. Mas a saudade continuou rendendo.


E agora, lendo essa carta de amor, me pergunto onde eu consigo trocar a saudade por um bilhete para te ver de novo?


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