Há uma certa tristeza nos dias que quero escrever, mas não consigo, que me lembra os dias de agora, quando quero sair, mas não posso, quando quero ver gente, mas não devo.
Há uma certa tristeza em querer colocar para fora as histórias, mas temer que não sejam como as histórias dos livros. Há uma certa tristeza que as histórias alegres não sejam tão alegres, e que as tristes não sejam tão tristes.
Talvez sejam as histórias comuns as histórias não tão comuns. Talvez a história de como aprendi a cortar o meu próprio cabelo seja a história incomum, que eu insisto em não contar. Ainda estou terminando o corte. Num dia, ajeito o lado que ficou maior. No outro, arrumo a franja, faço a nuca como dá, tiro o volume... Passo a semana fingindo que estou só consertando o cabelo, quando na verdade é tudo um corte só, que nunca termina. Um corte que ocupa o tempo, de um tempo que também parece não terminar.
Há uma certa tristeza na história do dia que matei meu cacto. Mas há uma alegria também. Quando o cacto morreu afogado, só eu ri, pois não tinha mais ninguém para rir. E por não ter mais ninguém, eu chorei. E fiquei sem saber o que era incomum na história: o riso ou o choro? Para matar um cacto afogado é preciso muito amor, muito cuidado e pouca informação. Isso era tudo que eu tinha, amor, cuidado e informação alguma. Depois fiquei me lembrando de como eu amei na juventude, com amor, cuidado e pouca experiência. Amava demais, sem secas, e encharcava o amor, que não suportava e morria.
Há uma certa tristeza quando me lembro das viagens que fazia antes de não poder mais viajar, e percebo como era bom o lado de fora de casa, mesmo que o lado de fora também fosse uma espécie de lado de dentro, mais perto do peito. Saudade de viajar para ver minha mãe, ou para ver as outras mães, as outras famílias... Que saudade de ver os outros.
Como era boa a tristeza que a gente vivia antes de viver a tristeza de agora. Uma pessoa morria e a gente se entristecia por completo. Dava tempo de juntar a família, de nos vermos por um dia inteiro numa espécie de homenagem à pessoa que se foi. Era um luto, de certa forma, bonito. Agora, todo dia morre mais de mil histórias e a gente não consegue mais chorar por uma pessoa só. A gente chora por todas. É um choro coletivo, que mata as histórias individuais. E isso não é mais a tristeza nem a alegria. É o nada. E o nada é a pior das tristezas.
Aliás, há uma certa tristeza em tudo: nos livros; nos filmes; nas músicas; nas fotografias das redes sociais. Está tudo impregnado de tristeza. Os sorrisos das pessoas viajando, das pessoas celebrando, das pessoas se enganando que a vida voltou ao normal... Tenho medo de que as histórias agora sejam assim, de pessoas se enganando, como se isso fosse normal.
Há uma certa tristeza nos dias em que quero escrever, mas não consigo, que me lembra os dias de agora. Apesar de que, agora, eu tenha conseguido escrever. Mesmo com essa tristeza noir.
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