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Lucão

Vida nova, casa antiga


As caixas ainda estão espalhadas pelo apartamento. Mais uma vez dormi em uma casa nova.


Tenho me mudado bastante nos últimos anos. Não era assim quando eu era criança e podia fazer amigos no bairro e brincar na rua como se eu tivesse conquistado esse direito pelo tempo vivido ali. Eu conhecia todas as esquinas, os pais dos amigos, as lojas que fechavam e abriam, os pitdogs.


A primeira casa em que vivi com minha família — éramos cinco — foi num conjunto de prédios baixos em Anápolis. Moramos por quase quinze anos nesse endereço. Era um apartamento modesto, mas eu adorava. A entrada era pela sala, que tinha dois ambientes, o de jantar e o da TV. Ao fundo desses ambientes ficavam dois quartos, o dos pais e o nosso, e um banheiro pequeno que servia a todos. Do lado direito da entrada, antes da sala, ficava a cozinha, com uma mesa quadrada pequena, geladeira, fogão e o forno elétrico que a mãe adorava. Como ela usava esse forno! Fazia tantas comidas gostosas... Depois da cozinha ainda tinha uma área de serviço, um quarto extra bem pequeno, que chamavam tristemente de quarto da empregada, e um outro banheiro menor.


Quando eu narro o apartamento, até para mim, ele se parece maior. Mas não era, era pequeno mesmo.


Eu e meus irmãos brincávamos dentro e fora de casa. Dentro, o que mais fazíamos era jogar videogame — um Atari, que é muito diferente dos games de hoje —, comer as comidas que a mãe fazia no forno e assistir aos filmes que meus pais alugavam. Aliás, é gostoso lembrar que naquela época, para assistir a um filme, tínhamos que ir a uma locadora de fitas, gastar meia hora escolhendo os filmes, alugar, estourar a pipoca, colocar a fita no aparelho e torcer para que o rolo do filme não estivesse sujo ou danificado. Quando a fita não rodava, a gente abria o filme, soprava, soprava e soprava, depois limpava a fita com a roupa, colocava-a de volta no aparelho e, milagrosamente, ela funcionava. Nesse tempo, a fita era outra.


Quando íamos para fora, tinha o quintal do prédio, com gramas baixas e alguns bancos pra gente se sentar. A gente não se sentava, brincava sem parar de pique-pega ou de bola, enquanto tomava um sol da tarde depois da escola. Estou recordando agora os detalhes e me emociono de lembrar que a gente pisava na grama, escorregava, dava carrinho um no outro para disputar a bola e ficava o dia todo com o corpo pinicando, cheios de mato.


Na rua, a brincadeira continuava, com um pouco mais de perigo. Jogávamos bola onde os carros passavam apressados. Quando um automóvel apontava na esquina, um de cá gritava e o restante de lá parava a brincadeira para esperar o carro passar. Depois voltávamos com a mesma energia. Não tinha essa de desacelerar a partida com o frio. Corpo de criança nunca esfria.


Depois começamos a nos mudar e perdi a conta das casas que já moramos. Ou que já morei. Também perdi o contato com a rua. Perdi a textura da grama. Quase não sei escrever a palavra “pinicar” mais, imagina sentir o corpo pinicando depois de brincar no quintal...


As caixas ainda estão espalhadas pelo apartamento. Mais uma vez dormi em uma casa nova. Ou melhor, dormimos. Eu e minha casa antiga.



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