Quanto mais escrevo e vivo a escrita literária, mais compreendo que escrever não acaba. É um aprofundamento em si mesmo e constante. Quanto mais escrevo, mais descubro outras histórias, as histórias profundas em mim.
Por isso, escrever é prazeroso, pois não é para o outro, é para si. E quando triscamos esse lugar, de sentir prazer com as próprias histórias, escrever não acaba.
Boa parte dos poemas e das histórias em prosa que escrevi foram tentativas maiores de brincar com as palavras do que de contar uma história verdadeiramente minha.
Adoro brincar com as palavras, jogá-las na parede, ver como elas se esborracham e se transformam em outras coisas. Gosto também de tentar descobrir se as palavras podem caminhar por novos caminhos ao invés dos caminhos delas mesmas.
Aqui, na crônica, é onde mais me aprofundo em mim mesmo, conto um pouco da minha história a partir de recortes do passado ou do cotidiano atual. Quanto mais faço isso, mais percebo quantas outras histórias ainda tenho ― todos nós temos ― para escrever e transformar em textos.
Houve um tempo, ainda no começo da minha jornada de escritor, em que eu achava difícil me revelar, abrir algumas feridas para compor um material e fazer vocês, leitores, se divertirem com a escrita. Hoje, pelo contrário, é o que busco.
É claro que, quase sempre, minhas memórias, quando vão para a crônica, ganham um pouco de exagero, fundamental à contação de histórias ― talvez até para tirar o peso que alguns acontecimentos tenham em nossas vidas. Mas a escrita nessa coluna é, para mim, uma forma de fazer mergulhos, de tentar pescar a história que valha a pena ser contada.
Como escritor, recebo muitas mensagens de pessoas me pedindo dicas para escrever. E antes de tentar encontrar uma dica, penso na minha vida de escritor. O que eu tenho guardado que valha a pena ser escrito e compartilhado com alguém? A resposta é: muita coisa. Todo mundo tem muitas histórias. O difícil mesmo não é escrever, mas fazer um mergulho bem feito. Hoje penso isso, que a grande característica de quem escreve bem é de ser um bom mergulhador.
Escrevi isso tudo para compartilhar que estou, neste momento, escrevendo meu segundo romance, fazendo um novo mergulho.
O primeiro, o Amores ao Sol, foi inspirado nas duas viagens que fiz ao Caminho de Compostela, mas é uma ficção. É muito comum os leitores terminarem de ler esse meu livro e me mandarem mensagens de apoio, como se eu tivesse vivido o que o narrador viveu.
Fico feliz. É sinal que a história convenceu.
O meu novo romance é uma ficção com “apoio” da realidade. É uma história de uma relação difícil de um pai e um filho, em que ambos precisam lidar com a memória para seguirem existindo.
Estou usando minha mãe para escrever a história. Tenho mexido no peito dela para compor personagens, cutucando memórias doloridas para entender e desenvolver a história. Tem doído um pouco em mim. Imagino que nela também.
Escrever às vezes dói, porque lembrar algumas histórias machuca. Mas também penso que é uma oportunidade de devolver à vida algumas dores que sentimos.
Ou melhor: é uma forma refinada de vingar as porradas que levamos.
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