A véspera é um instante que antecede algo que ninguém sabe muito bem o que vai ser. Estamos sempre na véspera de coisas que não conseguimos prever e, muito menos, dizer se vão ser importantes ou não.
Eu mesmo escrevo essas palavras sem saber muito bem onde elas vão dar, onde vão me levar ou se vou conseguir terminar essa crônica. Muitas vezes, escrevo poemas assim, sem saber onde eles vão me levar, como vão terminar, se vou conseguir fazer bons desfechos… O poeta está sempre na véspera do último verso do poema arrebatador.
Estar na véspera, muitas vezes também, é estar a um passo de algo grandioso. Quando ainda terminava de escrever o meu último livro, meu primeiro no gênero romance, eu sabia que estava na véspera de um feito muito importante. Eu jamais imaginei escrever uma história tão longa, com começo meio e fim. Na véspera do fim do meu romance, eu já estava previsivelmente feliz. Não haveria perda nem arrependimento ao terminar o meu novo livro. Na véspera, eu já sabia que o dia seguinte seria, sem dúvida, um dia de festa.
A saudade também pode ser uma véspera muito bonita quando o instante seguinte é o momento em que vamos matar a saudade. Matar uma saudade é gostoso demais. Reencontrar pessoas queridas, voltar a um lugar que recordamos com carinho ou até um prato de comida pode matar uma saudade imensa que sentimos. A saudade é uma espécie de véspera do amor.
Outras vésperas podem não ser tão boas de viver. A véspera de uma prova nunca foi um momento que eu gostei de vivenciar. Estar a um instante de uma reunião de resultados de uma empresa nunca foi um momento muito aguardado pelos funcionários. Outra véspera ruim: na infância, quando aprontávamos alguma “arte” em casa já sabíamos que aquele momento era uma véspera de uma bronca, de um castigo ou de uns tapas bem doídos.
Essa crônica também é uma véspera de outra crônica que vai ser publicada no jornal de amanhã. Esse texto também está na véspera do dia de amanhã, de um dia que a gente não sabe como vai terminar. Hoje é a véspera das eleições mais doloridas que eu já vivi.
Hoje pode ser a véspera da dor dos meus amigos gays. Ou a véspera do medo que a minha irmã, que é negra e mulher, pode sentir. A véspera da dor da minha mãe, da minha madrasta e da minha outra irmã, as mulheres que tanto amo. A véspera do desespero dos nordestinos insultados e abandonados por um discurso preconceituoso. Pode ser a véspera dos quilombolas, comparados a gados por nada. E também pode ser a véspera das matas, das terras indígenas ameaçadas por um discurso autoritário e doentil. A véspera dos artistas que escrevem livros, que compõem músicas, que criam histórias de cinema, de novelas e seriados. Pode ser a véspera dos torturados, das memórias tristes que remexem seus corpos mortos e escondidos, das suas famílias que ainda sofrem com essas memórias tristes.
Ou do amor. Hoje pode ser a véspera do amor.
Hoje, na véspera de tanto medo, eu ainda vivo com esperança… Esperança que é uma espera acompanhada de amor. Eu ainda espero que essa véspera seja a prévia do bom senso, do respeito e, principalmente, da democracia. E que amanhã também seja a véspera de dias e mais dias de amor.
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